“A agonia portuguesa” – Nuno Araújo

“A agonia portuguesa”

Vítor Gaspar anuncia mais medidas de austeridade. Cavaco Silva coloca bandeira da República Portuguesa ao contrário, depois de mudar local público da cerimónia do 5 de Outubro para local fechado. Passos Coelho preferiu passar o dia em terras eslovacas e maltesas, com Paulo Portas, talvez para uma “segunda lua-de-mel”. O país vai mal, pois.

“Mais meia dose de austeridade, por favor”

O anúncio de Vítor Gaspar, na passada Quarta-feira, disse respeito às novas medidas de austeridade, para cumprir o défice das contas públicas para este ano. O objectivo das medidas de Gaspar vai mais longe: controlar e consolidar os défices para 2013 e 2014. Credo, alguém que falhou previsões para o ano corrente, alguma vez conseguirá atingir os objectivos para anos futuros? Nem pensar!

Imagine que Portugal é um cliente que vai ao snack-bar onde Vítor Gaspar é empregado de mesa. Este apresenta-nos Bacalhau à Gomes Sá como prato do dia (a austeridade); o cliente pede antes um Bacalhau à Zé do Pipo (uma alternativa). O empregado, porém, traz para a mesa apenas meia dose, ainda por cima de Bacalhau à Gomes Sá, dizendo: “Se for necessário mais, eu trago mais meia dose”. É isto mesmo: estas medidas de austeridade são apenas metade daquelas que serão necessárias para este ministro das finanças para controlar as contas públicas.

Temos de ter em conta que este ministro das finanças falhou a execução orçamental em toda a linha. Já apresentou rectificações várias ao orçamento de estado para este ano. Prepara-se para aumentar em 30%, nalguns casos, o “saque” efectuado às bolsas dos portugueses, através das seguintes medidas anunciadas:

Será devolvido um subsídio aos funcionários públicos e 1,1 aos pensionistas (mas que serão retirados integralmente com o aumento do IRS);

Será aplicada uma taxa de 4% sobre os rendimentos em 2012″.O PIB deverá cair 3% este ano e 1% em 2013 (e diz Gaspar que no final de 2013 a economia portuguesa crescerá);

Os contribuintes do último escalão do IRS estarão sujeitos a uma taxa adicional de 2,5% (estes contribuintes poderão pagar 54,5% daquilo que ganharem…se estiverem ainda a residir em Portugal, claro!);

A taxa média de IRS passa de 9,5 para 11,8% (devido à subida generalizada das percentagens de taxa de contribuição);

Os escalões de IRS serão reduzidos de 8 para 5 (alargar a base fiscal reduzindo a diferenciação entre escalões contributivos é penalizar milhões de contribuintes);

Resumindo, Vítor Gaspar afirma que “as medidas visam distribuir mais equitativamente os esforços entre o sector público e o sector privado, por um lado, e entre os rendimentos de trabalho e de capital, por outro”. Pois bem, assim o Tribunal Constitucional não terá grandes argumentos para invocar a inconstitucionalidade de parte ou da totalidade destas medidas, devido ao facto de estas se alargarem para além do sector dos funcionários públicos e dos aposentados, o que tinha constituído argumento para a declaração de inconstitucionalidade da supressão dos 13º e 14º mês aos funcionários públicos e aposentados.

Quanto tempo mais estará Vítor Gaspar no cargo? Não mais de seis meses, digo eu…

5 de Outubro

Este ano, o dia que celebra a implantação da República em Portugal (5 de Outubro) teve vários episódios dignos de registo. Na véspera do dia de comemorações dos 102 anos da República, o presidente Cavaco Silva mudou o local da cerimónia, evocativa do aniversário da República, por motivos de segurança, que deveria realizar-se na praça do Município de Lisboa, como é habitual. Na Sexta-feira, e longe dos olhares do povo já no Pátio da Galé, e com vários atiradores colocados estrategicamente, policiamento reforçado, Cavaco Silva iça a bandeira da República Portuguesa de “pernas para o ar” (que significa, em linguagem militar, que o inimigo tomou controlo do lugar onde se iça a bandeira).

Depois, no fim de um discurso de Cavaco Silva que fica para a história como um dos piores de sempre de um presidente nestas comemorações, uma senhora passa as barreiras de segurança e grita os seus motivos de desencanto, perante a fuga apressada de Cavaco Silva e os olhares incrédulos de vários presentes no pátio da Galé. A senhora tenta esgueirar-se dos seguranças presentes, mas eles imobilizam-na e explusam-na do recinto. Do outro lado, uma outra senhora mezzo-soprano canta “Firmeza”, uma cantiga de Fernando Lopes Graça.

Enfim, um dia para esquecer para Cavaco Silva: tudo falhou, desde a inspiração dos seus acessores que lhe escreveram um discurso pobre e muito curto de alcance, até ao policiamento de rua que era extremamente rigoroso mas que desembocou numa falha de segurança gravíssima que permitiu a entrada de duas pessoas estranhas ao evento, e que por mero acaso não tinham más intenções.

A cerimónia evocativa do 5 de Outubro teve imensos sinais de crise. Mas a mudança não tardará, meus amigos e minhas amigas.

Algumas notas

1) Passos Coelho e Paulo Portas estiveram juntos, mas muito distantes, na Eslováquia. Aquilo que Passos Coelho pretendera que fosse uma espécie de “segunda lua-de-mel” entre ele e Paulo Portas, não foi assim tão profícuo, pelo menos a avaliar pelas imagens recolhidas pela TVI.

O CDS, ao que tudo indica, parece pretender adiar a crise política para depois da aprovação do orçamento de estado para 2013. É que esta subida de impostos “gaspariana” é uma bola de neve que já tinha começado com a privatização da RTP e com as medidas “banidas pelo povo” relativas à Taxa Social Única, e Paulo Portas estará a prontificar resposta a Passos Coelho.

2) Caso não tenha reparado, há um pouco de mais policiamento nas ruas. É verdade. De norte a sul do país, a PSP e a GNR têm reforçado a sua presença nas ruas. A PSP terá mais efectivos no ano que vem, assim como a GNR, ao contrário daquilo que se pretende com os professores, funcionários de repartições das finanças ou conservatórias. Talvez porque o governo queira mais autoritarismo. Talvez porque o governo tenha medo. Talvez porque acreditem, ideologicamente, num estado policial. Talvez seja o desespero de calar um povo que já quer mudança, ainda nem ano e meio de funções tem este mísero governo.

3) Turquia e a Síria estão num ponto de “não-retorno”, em relação a uma guerra. Várias etapas diplomáticas derrubadas e outras tantas bloqueadas, a Síria cansa-se da ajuda prestada pela Turquia à oposição Síria e lança ataques a posições fronteiriças, do lado turco. Porém, o arsenal bélico sírio é algo obsoleto, pois foi comprado em segunda mão à Federação Russa, e a eficácia dos ataques do exército sírio é nula, atingindo alvos civis turcos. Isto motivou a Meclis (parlamento turco) de aprovar ataques de resposta a esses actos de guerra sírios. “Não estamos longe da guerra”, avisou no Sábado o líder turco, Erdogan.

4) O Chipre anunciou estar já em negociações avançadas para um pedido de assistência financeira à UE, BCE e FMI. Fala-se de necessidades de 11 mil milhões de euros, sendo que 5 mil milhões vão direitinho para os bancos cipriotas em necessidade de recapitalização. Pelos vistos, a presença russa na ilha, assim como o empréstimo já concedido pela Federação Russa não foi suficiente para estabilizar o clima financeiro em Chipre.

5) É já no dia 8 de Novembro que começa o congresso do Partido Comunista Chinês (PCC). Hu Jintao e Wen Jiabao vão ceder os seus lugares, por terem ultrapassado a idade permitida para desempenharem os cargos que ocupam, a Xi Jinping e a Li Keqiang, políticos muito respeitados no topo do PCC, ainda que não tanto pelas chefias militares.

A minha análise à situação internacional, descrita na crónica que escrevi a 3 de Setembro (que pode ler aqui), abordava um soar de alarmes na China, devido a sinais de abrandamento no ritmo de crescimento económico. De facto, a China está num dos maiores processos de mudança dos últimos anos, em que vários políticos e militares vão passar à aposentação.

O PCC tem um grande problema em mãos: a questão do arquipélago Diaoyu/Senkaku. A China reivindica a soberania sobre esse conjunto de ilhotas, mas encontrou um Japão decidido à tomada de poder sobre as mesmas. Muitas manifestações contra o Japão depois, as autoridades chinesas tomaram o controlo sobre as mesmas manifestações e aumentaram o tom da contestação, chegando mesmo a haver cancelamentos de eventos oficiais de ordem política e não só.

Que irá o PCC decidir? Jogo diplomático ou guerra fria?

6) Outro facto que deixa a China em alerta é a eleição presidencial nos Estados Unidos da América (EUA). Se Romney ganhou o primeiro debate presidencial, Obama ganhou as sondagens, e, com isso, ganha o seu país.

Obama continua em primeiro lugar nas intenções de voto, e deve isso a uma descida notável do desemprego, descendo de 8,2% em Julho para 7,8% em Agosto.

Como tal, e parafraseando Obama, “don’t boo, vote” (não apupem, votem).


Crónica de Nuno Araújo
Da Ocidental Praia Lusitana