A Divorciada – Começa com o que tens

Tenho o prazer único de poder partilhar a história da minha amiga Telma, textos repletos de sátira, textos reveladores de uma profunda tristeza e honestidade, são de facto textos que detalham a vida real e a fase de mudança que a Telma está a vivenciar. Ponderei muito antes de partilhar estas palavras com os leitores mas relembrei o poder transformador que as palavras detém, se o testemunho da Telma ajudar nem que seja uma mulher a sentir-se bem com as suas decisões e escolhas, então, valeu a pena.

A Divorciada  – Começa com o que tens

Quando Telma pediu o divórcio, numa fatídica noite de Domingo ( curiosamente no Dia da Liberdade ) ela não tinha nada e precisava de tudo: Precisava de uma casa, de dinheiro, de fiadores, de um segundo emprego, de mobília, de panelas e copos, de eletrodomésticos, de um crédito, de lençóis e almofadas, de uma advogada, de amizades verdadeiras e abraços apertados, precisava sobretudo de se tornar independente a todos os níveis, para dar esse passo gigante na sua pacata mas abúlica vida, era imprescindível algo inerente ao ser humano: Força e determinação.

Sabem, há um dia em que temos de dizer: Basta! Não podemos deitar-nos todos os dias infelizes! É sufocante! A Telma recorda-se de chegar ao ponto de ter esta linha de pensamento: Não consigo aproveitar esta vida, pode ser que consiga numa outra vida! Estava louca, seguramente. Sentia-se uma merda, não conseguia corresponder ao pouco que lhe era dado, sentia-se diminuída e desprezada, frustrada e apática, não fazia nada daquilo que realmente gostaria de fazer, arrastava-se pelos dias, sentia-se encurralada, engordara dez quilos e abafava os sentimentos com comida, tomava comprimidos para se sentir mais calma, pois eram vários os momentos de extrema tensão em casa, Lar Doce Lar, não é o que nos ensinam desde pequenas? Mas desde pequena que o lar de Telma foi diferente da maioria das pessoas e, talvez isso explique a sua conduta no passado, o que é que fazemos com o que fizeram de nós?

Telma dormiu no chão na primeira noite na sua nova casa, fez uma cama com os cobertores e dormiu no chão com os dois filhos, de manhã o sol entrava levemente pelas persianas, foi das melhores noites da sua vida. Tomou o pequeno-almoço no chão, não tinha fogão nem mesa, não sabia como iria fazer o almoço para os miúdos, já tinha um frigorífico, um pequeno frigorífico comprado a prestações, essa dimensão tinha um propósito: Telma tinha receio de não ter dinheiro para comprar comida para os filhos, com o truque do tamanho o eletrodoméstico pode ter poucos alimentos que dá a sensação a quem o abre de que está cheio, de forma que, nos dias em que a soturnidade invade os pensamentos de Telma, ela encosta-se na parede da cozinha, olha para o frigorífico e pensa: Não te esqueças da tua jornada até aqui, o que te está a aborrecer não tem a mínima importância comparando ao bem que fizeste por ti, auto-sabotagem não.

Nessa manhã, enquanto os filhos ainda dormiam, Telma abriu a porta do terraço, deu uns passos em frente, olhou em redor e seguidamente para o céu, agradeceu à divindade e a si própria, sentiu-se feliz, tinha dado os primeiros passos em direcção ao seu propósito de vida, começava ali, naquela casa tão especial, uma nova vida, uma nova mulher! A verdade é que Telma não vacilou um segundo sequer, não olhou para trás, não se deteve perante as circunstâncias menos fáceis, foi à luta, definiu prioridades, deixou a vida fluir e fez algo que as mulheres raramente fazem: Começou a cuidar de si própria!

Algo de mágico acontece quando cuidas de ti, já vos aconteceu certamente, quando nos enchemos de amor-próprio descobrimos a nossa essência, é um deslumbramento interior, é especial e tão nosso que quando o tentamos partilhar, como a Telma o está fazer, parecemos as maluquinhas do self-care, abundantes em discursos motivacionais, nariz empinado e arrogância de cima a baixo, não, muito pelo contrário, quando finalmente começamos a gostar de nós e a sentirmo-nos bem na nossa pele, tornamo-nos mais humildes, vemos as pessoas ( especialmente as mulheres ) com outros olhos, temos uma visão mais ampla, mais segura e mais selectiva da vida.

Ah, quase me esquecia de o mencionar: A Telma deixou de tomar os ditos calmantes, deitou as caixas de comprimidos ao lixo no dia em que se instalou no seu novo lar, nunca mais precisou dessas merdas para nada. Tu, mulher, que te sentes como a Telma se sentia, que neste momento estás a ler as minhas palavras e estás quase a chegar ao ponto de viragem, deixa-me dizer-te algo importante: Começa com o que tens! O que tens és tu!

“Somos o que fazemos, mas somos, principalmente, o que fazemos para mudar o que somos.”

Eduardo Galeano

Próximo capítulo: Atravessar a ponte.