A Forma da Profundidade – Amílcar Monteiro

Este é um texto profundo. E contemplativo. A sua profundidade não tem a ver com o conteúdo do mesmo mas sim com o estilo de escrita. Frases curtas. Às vezes, apenas palavras isoladas. Bússola. Chaves. Cinzeiro. Cabe ao leitor tentar entender a relação entre elas e interpretar o seu simbolismo. Em vão. É que tratam-se de palavras desconexas e esse simbolismo não existe. Mas não há problema. Porque, de seguida, o autor escreve uma pequena frase sentimentalista que se repetirá ao longo do texto e que dará a ilusão de sentido e continuidade.Tu existes sem mim.

De vez em quando, um parágrafo maior, mais extenso, com bastantes vírgulas que separam palavras e expressões que são sinónimas, que têm o mesmo significado, que são iguais, mas que não passam apenas de um conjunto de letras, de caracteres, de símbolos que nada transmitem para além de uma elevada dose de redundância. Sim, redundância. Redundância essa que é depois reforçada pela constante repetição. Redundância essa que pretende acentuar um determinado sentimento. Redundância essa que faz com que qualquer réstia de sentido ainda existente no texto se perca. Tu existes sem mim.

E depois? Depois vêm as perguntas. Mas para que servem as perguntas? Para quê tantas questões? Talvez para mostrar que o autor está a escrever e a pensar ao mesmo tempo, que este texto não é planeado nem forçado. É espontâneo. Ou talvez seja para aparentar a volatilidade emocional que caracteriza um momento de crise interna. É a manifestação da alma irrequieta do autor. Mas quando terminarão? Quando parará o autor de fazer interrogações? E qual será a resposta para todas estas perguntas? Não sei. Só sei que tu existes sem mim.

Mas o texto já vai longo. Demasiado longo. Chega agora a altura de o concluir. E é neste parágrafo final que o autor revela que, apesar da sua escrita parecer ter sido ditada pela instabilidade do sofrimento que o atormenta, na verdade ele sabia, desde o início, o que estava a fazer. Foi todo um percurso realizado para chegar exactamente aqui. Uma espécie de epifania premeditada. E para concluir, de forma arrebatadora, um texto que pretende ser profundo recorrendo apenas ao estilo de escrita e descurando o conteúdo, então nada melhor que uma pequena frase que inclui o título desse mesmo texto. Porque é essa a forma da profundidade.


Crónica de Amílcar Monteiro
O Idiota da Aldeia
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