A Propaganda, o Brasileiro e a Criatividade – Marco Aurélio Cidade

Durante todo o tempo em que trabalhei em publicidade, desde o começo da minha carreira na Lintas (extinta agência localizada no bairro do Humaitá, no Rio de Janeiro), onde eu era account executive (na verdade ia de um lado para o outro, de empresa em empresa tentando fazer com que fossem clientes da agência) tive muitas oportunidades de observar como as empresas empregam seu dinheiro para divulgar produtos ou serviços para as diversas camadas sociais do Brasil, esse curioso país.
Me alegra ver o potencial criativo do brasileiro. Para começar, a capacidade que tem de multiplicar o parco rendimento do salário mínimo (atualmente em R$622,00 ou mais ou menos 242.00 euros).
O sujeito recebe ao final de cada mês (fora os descontos, é claro) essa polpuda quantia e consegue ir ao Maracanã (agora só no Engenhão porque o Maraca está em obras, se preparando para a próxima Copa) e beber a geladinha de cada fim de semana, que começa na sexta após o almoço por tudo quanto é canto do Rio de Janeiro.
Além disso fuma, se perfuma, vai ao Carrefour, ao Zona Sul ou a qualquer outro supermercado e compra um monte de coisas que não pode comprar. Lembremo-nos que a camada mais privilegiada financeiramente também compra. E muito. Vamos nos concentrar no entanto, no pessoal que recebe um salário mínimo por mês.
Ele se endivida para comprar o seu TV tela plana de LED, lota os shoppings (todos, sem exceção) e compra tudo o mais que não pode (ou teoricamente, não poderia comprar). Tudo isso com os mesmos “seiscentos e vinte e dois Reais”, assim mesmo e entre aspas para parecer maior. Isso sem falar que é “apaixonado por carros como todo brasileiro”. Isso sem falar em TV por assinatura (a cabo ou por satélite). Um monte de gente tem assinatura já que da programação da TV aberta, com raras exceções, só se salvam mesmo os comerciais que faz o Brasil (queira o Tio Sam ou não) ser o país mais criativo do mundo, haja vista a quantidade de prêmios que anualmente recebe em tudo quanto é festival de publicidade mundo afora. Como é então que o brasileiro vai se virar sem sua tevezinha por assinatura?
É aí que entra o trabalho das agências de publicidade, dos criativos das agências de publicidade, das produtoras que atendem as agências de publicidade, dos meios de comunicação que geralmente se desdobram para atender as agências de publicidade e seus planos de mídia mirabolantes.
Filmes maravilhosos, anúncios para jornal e revista cada vez mais elaborados, campanhas completas passando para o consumidor competência, qualidade, criatividade, preço competitivo, formas de pagamento ao alcance de todos e muita, muita sedução para convencê-lo a comprar.
E ele compra. Brasileiro compra tudo com a sua sede de consumo e a capacidade criativa de “complementar” o salário com um trabalhinho extra que pode ser nas mais diversas áreas e não apenas as ligadas à sua profissão.
Ao final das contas, estamos falando de quê? De publicidade, é claro. Estamos falando de como as empresas investem maciçamente em publicidade na certeza (é claro que uma pesquisinha ajuda) de que, com com criatividade, suas ações de marketing vão dar certo e muitos milhões de dólares serão gerados.
E tudo contribui para que o brasileiro compre. O futebol, a praia, a morena sensual, a mulata, o folclore, todos os lugares lindos que o Brasil tem; tudo ajuda. Sabendo disso as empresas investem mais e mais em campanhas muito bem planejadas para colocar seus produtos e serviços nesse mercado de consumo gigantesco que é o Brasil.
Para isso se utilizam também de figuras públicas (ou que se tornaram públicas) de amplo carisma e confiabilidade para, sabiamente, despertar na mente do consumidor o desejo de compra. E lá vai o brasileiro comprar de novo. Com muita criatividade e o crédito fácil. Essa sede de compra, essa necessidade de compensar suas insatisfações com o governo, com a prefeitura, com a falta de segurança, com as praias poluídas justo no Verão, com o aumento das tarifas de luz, gaz e telefone, com a própria Oi (companhia responsável pela telefonia no Rio de Janeiro), que anuncia bonito, mas que presta um serviço feio, feio, com as empresas “ponto com” que nunca entregam o produto na data que combinam, com o sol que não veio no domingo e comprometeu a “pelada” e o churrasco da rapaziada, com a sogra que vive nos seus calos, com o chefe sempre nos seus calos, com o leão do imposto de renda sempre nos seus calos, com o preço da gasolina, com todos os “flanelinhas” (guardadores de carros não autorizados pelas prefeituras) do mundo que resolveram se reunir logo no Brasil, com os “pardais” (radares de trânsito que multam mesmo sem o sujeito ter passado pelo local, sabe-se lá como) enfim, brasileiro tem sempre um bom motivo para reclamar. E por isso, compra tudo.
Alguém já viu casa de brasileiro sem vela pra acender pro santo na hora do aperto? E cerveja? Brasileiro tem sempre uma geladinha pra servir aos amigos numa visita inesperada (brasileiro é assim, não agenda visita, chega de repente) ou jogando conversa fora com um vizinho quando está lavando o carro.
“Peraí que eu vou buscar uma geladinha.” Quando volta, o Agenor (Agenor é o vizinho que também está lavando o carro) já está com um prato de salaminho cortado bem fininho com um pouco de sal e um limãozinho espremido em cima pra realçar o sabor. Aí chega a dona encrenca e começa a reclamar do Agenor que já está bebendo de novo. É aí então que o vizinho (o nosso brasileiro desta crônica) chega e faz o convite: ” Ô dona Celeste, tá um calor danado e a senhora lá dentro, na cozinha! Vem tomar uma cervejinha com a gente.” Pronto, já quebrou o mau humor. “O salaminho do Agenor tá uma delícia, já provou?”
E antes que dona Celeste tenha chance de pensar em pronunciar qualquer palavra o vizinho ataca novamente: “Peraí que eu vou chamar a Terezinha pra lhe fazer companhia. “Terezinha! A dona Celeste está aqui tomando uma cerveja conosco, vem também! Não esquece de trazer umas azeitonas pra acompanhar!” E dona Celeste consegue finalmente argumentar que não pode beber porque tem azia.
“Não tem problema, dona Celeste, depois a senhora toma um sal de frutas, o que importa é a confraternização.” Mas que confraternização? O que estão eles, afinal, comemorando? Nada; apenas o fato de estarem bebendo, rindo e batendo papo. Brasileiro é assim mesmo. Pra ele tudo é motivo de festa.
Deu pra prestar atenção em quantos produtos estão envolvidos só nessa rápida história? Pois é, tudo isso é resultado da publicidade de muitos produtos que ficam na cabeça das pessoas, são consumidos todos os dias e ajudam a gerar e a manter muitos empregos.
A publicidade está na cabeça do brasileiro. Nas diversas situações que ele vive, a publicidade está sempre presente. Nas mesas de bar, em casa, no trabalho, na escola ou na faculdade. Muita gente não imagina que o brasileiro compra porque além de “precisar” comprar ainda tem o privilégio de contar com boas campanhas publicitárias que além de vender bem produtos e serviços ainda ensinam em muitas ocasiões como o brasileiro pode ser ainda mais criativo para esticar o seu salário. A publicidade é tão importante que até os anúncios de empresas ligadas ao setor também são muito criativos.
Então é isso. Fica combinado assim. O brasileiro continua comprando, esticando os seus “seiscentos e vinte e dois Reais”, assim mesmo, por extenso e entre aspas, para parecer maior, as empresas continuam anunciando e muitos outros brasileiros vão ficar felizes por terem mais um dia de trabalho em seus empregos e por também serem considerados muito criativos. Afinal, “exitem muitas coisas que o dinheiro não compra, mas para todas as outras existe Mastercard.”



Crónica de Marco Aurélio Cidade
(publicitário, redator escritor e professor)
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