A via-férrea do amor

O amor. Não é uma fita métrica que determina a demora do amor. O que definitivamente mede o amor é um coração sequioso, ávido, desejoso. O amor abranda a morte, atrasa o tempo, restitui o sono solto, afasta a culpa e a depressão. O amor não manifesta idade, não ocasiona rugas, não alega peles caídas, não destaca mãos gastas. A velhice também é tempo de amor.
Esta é uma história de amor intensa, que não cede ao tempo, real – pessoas como nós.

“Todas as cartas de amor são ridículas. Não seriam cartas de amor se não fossem ridículas. Também escrevi em meu tempo cartas de amor, como as outras, ridículas. As cartas de amor, se há amor, têm de ser ridículas. Mas, afinal, só as criaturas que nunca escreveram cartas de amor é que são ridículas.” – Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)

Hoje estás incrivelmente linda, minha velhinha alentejana – és planície verdejante na primavera, e depois vermelha, amarela, o azul das flores. No verão és terra nua e no outono ofereces lugar ao cinzento. Minha velhinha de capa senhoril dourada, estás airosa neste dia de hoje. Como sempre, e à semelhança das escarpas da Costa Vicentina, ainda me perco no teu olhar de azeitonas pretas. Hoje. A mocidade melancólica que tornas livre, por dentro da brancura do teu corpo feito cal. Hoje. No auge dos nossos oitenta anos, ainda somos dois à mesa, ainda somos dois na mesma cama, ainda somos dois a gargalhar, ainda somos dois nas mesmas dores. O melhor dois desde o primeiro dia em que te vi – tu a minha Maria, eu o teu Manel. E ainda é tudo tão novo para nós. A via-férrea de um mundo inteiro. O amor que erguemos em consagração. Amo-te profundamente, minha velhinha alentejana. Juntos, aprendemos com os saberes da vida, cedemos ao sentimento benigno que tanto nos une.

“O nosso corpo envelhece, a pele perde elasticidade, há uma série de mudanças biológicas que acontecem no nosso corpo e um corpo velho não é facilmente erotizado.” – Ana Carvalheira (investigadora e professora do ISPA)

Não existimos a morte. Vivemos, ponto. Apenas a proteção do amor contra a idade. O amor não nos torna desusados. Amo-te com o coração, o motor duradouro. Somos tão poema quando estamos juntos. Se nos temos a nós, não estamos sós.

“O que fica atrás de nós e o que jaz à nossa frente têm muito pouca importância, comparado com o que há dentro de nós.” – Ralph Emerson

Os anos passam para lá, mas ficam as memórias de um tempo vencedor e sentido. É a história de um país.
Maria, despacha-te que o bailarico está quase a começar. Esta noite vamos dançar a vida.




Sigam a minha página: facebook.com/espelhocontrario
Sigam o meu grupo: O espelho ao contrário