Eu acredito na paz e no amor! – Raquel Santos

Chove imenso lá fora, os clarões da trovoada atravessam as portadas semiabertas do quarto. Parece um daqueles dias de Inverno, escuro e frio.

Olhei para o relógio. Ainda são oito da manhã, vou continuar aqui, enrolada nos quentes cobertores a ouvir as gotas da chuva a cair! Quem não gosta? E se tivesse alguém que me trouxesse um copo de leite quente e umas bolachas à cama, ainda era melhor. Muitas mordomias.

De repente adormeci e a minha mente começou a viajar para um local desconhecido, onde a pobreza invadia a triste e sombria cidade. “Onde estou eu?”- pensei eu. Amedrontada olhei à minha volta e só via pessoas quase despidas, algumas delas a dormir debaixo dos bancos.

Minutos depois, sinto uma mão gélida tocar-me nas costas e virei-me repentinamente para ver quem era. Era uma pobre idosa com aqueles xailes compridos, cheios de buracos às costas. Parecia que tinha sido encontrado no lixo, pois não tinha mais nada para se aquecer. Já devia de andar com aqueles trajes à muito tempo. Tomar banho? Perguntam vocês… Aquele corpo magro já não devia de ver água à muito tempo. Esta senhora apresentava um misero estado de miséria.

Ela esticou a mão enrugada na minha direção pedindo-me uma esmola. Num gesto quase invisível coloquei a mão na mala para ir buscar a minha carteira. E… onde está ela? Desapareceu, mas eu tinha… aqui dentro! Procurei aflita nos bolsos e nada… Ouço uma gargalhada lá ao fundo e vejo uma pessoa correr com a minha carteira na mão. “Estou num mundo de loucos”- pensei eu – “e ainda queria estar na cama quentinha a ouvir a chuva e estas pessoas nem segurança têm”.

A senhora percebeu que tinha sido assaltada e virou costas seguindo, cabiz baixo o seu caminho.

É nestes casos que pensamos “ Onde está Deus? Porque é que deixa estas pessoas chegarem a este ponto?”

Segui caminho fora com o objetivo de encontrar algum local mais seguro para me refugiar. Só via casas velhas, algumas delas estavam num estado tão lastimável que nem sei como tinham condições para as pessoas lá viverem. Mais à frente havia várias barracas, tais como aquelas que existem nos bairros de lata. Na última, vi que estava um jovem a pegar numa seringa. Nem fiquei à espera para ver o que ia fazer, fiquei tão nervosa que comecei a correr. Ao virar da esquina ouço saluçar. Um saluçar fininho atravessava a multidão que se concentrava junto a um casarão velho. Abrandei o passo e aproximei-me para ver o que era. Espreitei por cima das várias cabeças que estavam lá e vi que era uma menina que devia de ter aproximadamente 5 anos. Tentei ouvir as palavras que as pessoas trocavam e apercebi-me que a menina tinha sido abandonada pelos pais. Estes não tinham condições para a ter em casa pois já tinham mais filhos.

E mais uma vez eu pergunto “Onde está Deus? Porque é que deixa o Homem fazer estas coisas?”

Várias perguntas pairavam na minha cabeça e respostas não apareciam. Dói ver tudo isto. Muitas pessoas, que lutam para sobreviver e não viver. Homens que choram e lutam com outros pois julgam que vão ser mais felizes. Outros drogam-se para esquecer as amarguras da vida. Guerras, doenças, pobreza invadem esta cidade e outras que não temos noção. “Onde está Deus? Se ele diz que somos seus filhos e que nos ama porque é que nos deixa sofrer tanto? Porquê, tudo isto?”

Muitas pessoas usam o nome de Deus em horas de aflição, mas ninguém o vê! É normal as pessoas sentirem-se indecisas sobre Ele?!

TERRIIIMMMM TERRIMMMM. Toca o despertador e acordo toda aflita. “Ai, ainda bem! Afinal isto era tudo um sonho e eu acredito na paz e no amor!”

Nunca devemos pensar só em nós próprios. Vermos no outro, um irmão, que podia ser o nosso! Já pensaram que Deus podia estar num senhor que está na rua a dormir, pois não deixa que nada de mal lhe aconteça? Já pensaram que Deus podia estar num senhor que pedia esmola no virar da esquina? Já pensaram que Deus podia estar no sítio onde tiveste um acidente e ninguém tivesse morrido? É claro que há exceções, mas são castigos de Deus!

Eu acredito na paz e no amor!

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