Esticam-te o polegar à força. Dobram-to. Mandam-te pedir boleia. Ao frio, de noite, com o polegar teso, levantas um cartaz com a mão que te sobra. Diz “ Longe”. Longe dos teus.
És um Homem! Fazes o que tens a fazer.
Procuras onde diz “Partidas”. Sabes que quando chegares ninguém vai lá estar. Passas pela porta de desembarque, quando chegas. O amor não está ali! Na chegada, não está ninguém à tua espera. Lá fora, como dentro de ti, há nevoeiro. Pior: Na previsão meteorológica do teu coração diz que vem aí um ciclone.
Não te roubam a memória. Lembras-te de quando havia amor. Nessa altura, tinhas um ponto cardeal: os teus! Agora tens uma cicatriz em forma de “S”. De saudade.
Vais-te embora. Vais à tua vida, a que não queres. Embalas a trouxa, metes o Santo Antoninho na mochila, vestes o sobretudo cheio de borboto e dizes adeus. Aos pais. Aos filhos. À terra. Que nem é bonita, mas é a tua.
A culpa é de fulano e de sicrano, mas isso não interessa. Não podes ficar, mas não queres ir.
O machado não te corta a raiz ao pensamento, mas corta-te o coração.
É noite, tens frio. És um no meio de milhões que não conheces. Não percebes a língua, os penteados são diferentes, as roupas estranhas e a mistela de cheiros da rua faz-te sentir cada vez mais longe. Da terra! Estás perdido, não entendes as linhas do metro. Cheira a suor!
É domingo à noite. Angústia, engoles em seco.
Em Marte não sabes, mas na Terra era suposto haver vida. Depois da morte não sabes se há vida. Agora, não sabes se há vida antes da morte.
Foste expulso. Vermelho directo, sem que tivesses feito falta!
Não, não! Fazes falta! Aos teus! Fazes-te falta a ti.
Puta que os pariu!
A eles, que estão à lareira, no quentinho. Têm retórica, dizem palavras bonitas. Mas as palavras têm o nariz grande. São intrujões, especialistas em léxico, complemento circunstancial de tempo e dicção. Mas não têm aquilo que tu tens: Coluna!
Puta que os pariu! Aos invertebrados.
Assaltaram-te a mãe e o pai, porque te roubaram deles! Continuam de gravata à semana e de lacoste ao sábado. Ao domingo, rezam o Pai Nosso, tomam a hóstia, dizem que Ele está no meio de nós, com a barba muito bem feita e comem lombo. Riem-se sempre. Usam advérbios de modo a torto e a direito. Parece que falam bem.
Não há direito! Se houvesse, vestiam-se às riscas à semana. E ao fim-de-semana!
Ceifam-te os sonhos e semeiam-te pesadelos. Doem-te as entranhas. Deixas de ejacular vida!
Isto não era suposto! Mudaram-te a rota, tiraram-te o mapa e a rosa-dos-ventos. Agora safa-te!
És o único passageiro da tua viagem. Faltam-se cinco euros para isto e dez para aquilo.
Puta que os pariu, que estão à lareira, no quentinho!
Na rua, escutas tudo. Escutas com os olhos bem abertos. Um mendigo pede-te dinheiro, num inglês de sotaque familiar. És moreno e ele pergunta-te se és muçulmano, enquanto procuras moedas pequeninas. Dizes que não.
– No! I´m from Portugal!
O mendigo, que cheira mal, ergue-se. Cresce-lhe um rio nos olhos tristes e diz poesia, enquanto chora:
– Eu também! Sou de Vila Real Trás-os-Montes!
A seguir, repete a estrofe de um só verso, enquanto te abraça:
– Eu também! Sou de Vila Real Trás-os-Montes.
Abraças o mendigo! Que cheira mal! Mas que, sem saber, te deu esmola. Em amor!
Não sabes ao certo o que está mal. Não sabes ao certo se foi este ou se foi o outro. Ou se foram os dois. E os outros todos.
Sabes que está longe, com frio. Crescem-te frieiras, tens cieiro, olhas para o retrato dos teus. Dos que te roubaram!
É Natal! Continuas longe. As luzes brilham. Tu não!
Tu vagueias com o teu sobretudo. Cheio de borboto!
Senhoras brancas, pretas, de olhos cinzentos, de olhos em bico, de perna ao léu, convidam-te para “subir”. Estás longe!
Sonhas com a tua uma fixação geográfica. Aquela onde há sempre sol mesmo quando todos estão de guarda-chuva: São os teus. É neles que sonhas aterrar. Um dia!
Puta que os pariu, que te roubaram o sorriso!
Crónica de João Nogueira
Pés bem assentes na lua
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Era suposto comentar-se esta crónica. Era, mas ela já diz tudo…
É um hino. Um hino a quem a vida fez com que partisse com vontade de ficar, a quem procurou o caminho através de um atalho que não estava previsto, a quem foi indicado o destino das partidas sem regresso marcado. Um destino forçado por um país que não trata bem os seus.
Excelente crónica cheia de paixão e realismo! bem haja!
Obrigado, Sérgio!
É isso mesmo. Um destino forçado.
Um abraço!
Obrigado, Joana! 🙂
Real…duramente real.