Agora sim, tempos crise política – Nuno Araújo

 

Álbum de família PSD: Marcelo Rebelo de Sousa,  Cavaco Silva, Passos Coelho e Miguel Relvas.

O Tribunal Constitucional (TC) decidiu, está decidido. O governo terá de devolver subsídios de férias a quem os retirou. O problema agora é do governo, como já disse Seguro, assim como a restante esquerda. O governo PSD-CDS faz parte do problema, e não da solução. Sr. Presidente Cavaco Silva, não há remodelação no governo que valha, só há uma coisa a fazer: eleições antecipadas, quanto antes.


A declaração de Passos Coelho

A declaração de Passos Coelho foi uma mão cheia de nada: vazia de conteúdo. Tentou fazer do TC o “bode expiatório” da crise política em que colocou Portugal. A declaração de Passos Coelho não esclareceu como o governo irá pagar os devidos retroactivos “espoliados” aos contribuintes portugueses afectados pelas medidas que “cortaram” subsídio de férias para reformados e funcionários públicos, e desempregados a auferir de subsídio de desemprego.

Num discurso de final de tarde, Passos Coelho mostrou o porquê de ser um político “de aviário”, aquele tipo de político que não tem sequer retórica de assinalar. Tentou, lamentavelmente, interpretar as recentes decisões do TC como se de um partido político da oposição se tratasse, mencionando que em alturas de crise todos os orgãos de soberania tinham de ser chamados à responsabilidade. Será que Passos Coelho desejaria “rasgar” a constituição? É o que parece.

No mesmo discurso, Passos Coelho não assume as evidências da necessidade de um segundo resgate. A prossecução das mesmas políticas trará inevitavelmente essa triste notícia para o nosso país, algo que será acelerado pela única orientação política ditada pelo primeiro-ministro neste discurso de futura má memória: cortar despesa é a solução para cobrir o “buraco” de mais de 1350 milhões de euros no OE 2013. Cortar despesa em Educação, Saúde, Segurança Social (portanto, prestações sociais várias) e Empresas Públicas é o mesmo que, já dizia Luís Filipe Menezes, “desmantelar o estado”. Sim, nisso Passos Coelho tem razão, o Estado Social. E isso poderá ser o “rastilho” para um crescendo repentino de violência no nosso país.

PSD em “choque”: TC e um segundo resgate a caminho

O TC decidiu declarar a inconstitucionalidade de três artigos do OE 2013, e de mais uma metade de um outro artigo do mesmo documento. Quer isto dizer que o governo ficará a ter de gerir a “perda” virtual de mais de 1350 milhões de euros, montante associado a esses artigos agora declarados ilegais para o orçamento vigente. Naquela que é uma tremenda derrota sofrida pelo governo PSD-CDS, as formas de tentar devolver o valor dos subsídios espoliados aos portugueses não deixarão de ser inovadoras e tentarão sempre fazer com que os portugueses funcionários públicos, reformados, e restantes visados nestas medidas, não vejam a “côr do dinheiro”, daí que só com este governo seja plausível devolver subsídios sob a forma de títulos de tesouro. As pessoas querem o seu dinheiro de volta!

No entanto, o primeiro-ministro Passos Coelho e o ministro das finanças Vítor Gaspar já abordaram o Presidente da República, Cavaco Silva, no sentido de haver um segundo resgate à economia portuguesa. Ao mesmo tempo, como tão bem disse José Sócrates, tratou-se de uma visita que procurou uma “moção de confiança” de Cavaco ao governo, já tão fragilizado politica e socialmente. Gaspar, inclusivé, ponderou demitir-se, mas essa demissão talvez só ocorra após a conferência de Dublin, onde esta Quarta-feira se discutirão as maturidades das prestações obrigacionistas de Portugal aos credores internacionais.

Porém, a haver um segundo resgate, terão de haver eleições antecipadas, pois não basta Cavaco seguir com a sua opinião circense de que o governo tem condições para governar, terá mesmo de ouvir o povo e o seu descontentamento, para além de a Esquerda no seu todo, passando pelo PS, PCP, Bloco de Esquerda e os Verdes, que associados aos maiores sindicatos, pediram eleições antecipadas.

Posto isto, de que está à espera António José Seguro para exigir eleições antecipadas? O caminho trilhado pelo líder do PS só lhe deixa essa solução, a de continuar na senda do ataque sem tréguas a um governo que trata o seu povo como um conjunto de “potenciais fugitivos aos impostos”, como dizia tão bem Pacheco Pereira, do PSD.

Eleições antecipadas: é o único cenário possível para que uma ruptura política se dê, efectivamente, contra as políticas de austeridade, pois é possível com um outro memorando de entendimento com a Troika elaborar um plano exequível para Portugal pagar o empréstimo que deve aos credores, e esse plano tem de contemplar juros baixos, plano para crescimento da economia e fim da austeridade excessiva. Portugal tem de deixar de querer ser o “melhor aluno” de Merkel, o que agora se vê trazer mais dissabores que alívios. Alívio, esse, é mesmo de deixar de ter Miguel Relvas como ministro.

A demissão de Miguel Relvas: um alívio para todos

Miguel Relvas demitiu-se, na semana passada. Chegou ao fim um período de quase dois anos, em que este agora ex-ministro liderou os assuntos parlamentares e as relações com a comunicação social, reestruturação ou privatização da RTP, incluída. Esse período chegou ao fim devido à divulgação do relatório acerca da forma como Relvas obteve a sua licenciatura na Universidade Lusófona, o que pode preconiza um caso para as autoridades competentes desde já investigarem, dadas as circunstâncias anormais de uma instituição de ensino superior atribuir 160 ECTS apenas por experiência profissional tida por um aluno, e de os restantes ECTS terem sido obtidos através de uma prova oral, prova essa composta de matéria constante em crónicas escritas por Relvas. Dito isto, está tudo dito.

No seu discurso de saída, Relvas mencionou ter sido o “criador da besta”, como tão bem disse Jerónimo de Sousa, referindo-se à ascensão a líder do PSD por parte de Passos Coelho. Isso é verdade, Passos Coelho deve a sua ascensão política à influência de Relvas dentro dos meandros do PSD, influência essa já com alguns anos de existência. Essa é a verdadeira referência histórica que pode ser feita a Relvas, história essa que apenas fará jus a um ex-ministro dos assuntos parlamentares mais preocupado em ser somente político, pensando quase só em como privatizar a RTP, dedicando grande parte do seu tempo a criar “notícias de jornal” com jornalistas vários, mas quase nunca preocupado em ser aquilo a que se comprometeu a ser: ministro.

Relvas sai com o sentimento de que foi traído. Relvas era persona non grata nos bastidores do parlamento e do governo, nunca ninguém queria ser visto com Relvas. Verdade seja dita, ninguém queria também vê-lo mais nesses meandros. Mas Relvas não vai deixar a política. Porque, como dizia o outro, “eu vou andar por aí…”

 

Crónica de Nuno Araújo
Da Ocidental Praia Lusitana