Amor sem humor – Bárbara Borralho

Não foi amor à primeira vista até porque a minha miopia não deixaria que isso acontecesse. Mas a verdade é que não te cumprimentei nem cruzei o meu olhar com o teu. Conheci primeiro as tuas palavras, mais tarde adocicadas pela tua voz. Não sabia se as tuas mãos ficavam bem perto das minhas ou se o teu perfume me ia agradar. Nunca tive certezas de nada até ao dia em que finalmente te vi e fiquei agarrada ao teu olhar. A realidade nem sempre supera o sonho, mas tu foste capaz de juntar o melhor de dois mundos.

Quando te vi de perto, já com os óculos na ponta do nariz, apaixonei-me pela tua imagem. Ainda me lembro do susto que me pregaste quando apareceste do lado de fora do meu carro. E eu que pensava que aquela sucata nunca me daria um susto bom. Enganei-me e não podia ter ficado mais feliz por isso. Estavas ao alcance da minha mão e eu sabia que se a estendesse irias agarrá-la. Mas não o fiz, também eu tomada subitamente pelo nervosismo de estar a sós contigo pela primeira vez. E naquele momento, eu, a pessoa mais céptica do mundo no que diz respeito a sentimentos, percebi que a magia verdadeira não era aquela que tinha admirado ao ler os livros do Harry Potter, mas sim a que se apresentava perante mim na tua forma.

Quando agarrei na tua mão pela primeira vez senti-me mais viva do que quando o examinador do meu primeiro exame de condução me disse que eu tinha chumbado. Era como se o sangue das minhas veias tivesse começado a ferver para lembrar-me de que estavas ali. Mas como podia eu esquecer isso? A tua voz soava como aquelas canções que ouço vezes sem conta e que nunca perdem a graça. O teu riso acordava-me e ao mesmo tempo entorpecia-me os sentidos. Aliás, foi por isso que quase bati com o carro uma ou duas vezes. Já imagino a conversa com o seguro: “a culpa foi do amor, mas ele não quis preencher a declaração amigável e eu não fiquei com os dados dele.”

Naquele noite até a lua se encheu para reluzir nos teus olhos. Sim, nesses mesmos que tu maldizes sempre que te elogio. Mas eu tinha vergonha de olhar para ti durante muito tempo. Tinha medo de pegar na tua mão e pedir-te que ficasses comigo debaixo daquele manto azul que se estendia por cima de nós. Podias achar demasiado lamechas e eu receei. Escrevo mil e uma coisas românticas, mas quando tenho a oportunidade de as dizer, engulo as palavras à pressa como se estivesse a esconder uma guloseima que a nutricionista me proibiu de comer.

Beijei-te pela primeira vez com toda a verdade que alguma vez poderei dar a alguém. Senti nesse beijo todas as oportunidades perdidas, todos os “ses”. Jurei que a partir daquele momento isso iria acabar. Havia de dizer-te tudo o que sentia, havia de dar-te os beijos que nunca te pude dar. Abracei-te com força para tentar exprimir tudo aquilo que, na maior parte das vezes, reservo às palavras. Estava contigo finalmente, não era preciso dizer nada. Até porque às vezes falo demais e calada sou uma poetisa.

Costuma dizer-se que no início tudo é bonito. É verdade, quando eu era bebé tinha uma imagem lindíssima que, mais tarde, as batatas fritas e os chocolates acabaram por estragar. O primeiro olhar, o primeiro beijo, o primeiro abraço e até a primeira discussão, mais não seja porque é a oportunidade de fazer as pazes pela primeira vez. Mas o tempo complica tudo. Rouba-nos momentos, tira-nos uma quantidade infindável de memórias que poderíamos ter criado. Odeio o tempo. Não suporto estar longe de ti, não aguento não falar contigo. É só por isso que me custa trabalhar. Tudo bem, isso e o facto de ter uma farda constituída por uma saia.

Já não falamos como antes porque as nossas vidas mudaram. Entraram em rotas diferentes que raramente se cruzam na mesma paragem. Mas eu continuo à tua espera, com um sorriso nos lábios e com os braços estendidos. Já lutaste tanto por mim. Já ficaste horas sem dormir para ouvir os meus problemas sem importância alguma, já choraste por mim vezes e vezes sem conta. Sinto que chegou a minha vez de lutar. Está na altura de apertar a tua mão com mais força para que percebas que não vou a lado nenhum, que estou ao teu lado. Eu sei que tu também tens problemas de visão, fica sempre bem relembrar-te estas coisas.

Não há amores-perfeitos senão aqueles que enfeitam jardins. E nem sequer há assim tantos amores quanto isso. Mas tu chegaste e mudaste tudo aquilo que eu pensava acerca do amor. Não fosse assim e não estaria a expor tudo isto ao mundo. Sim, eu gosto de acreditar que há gente de todo o lado a ler as minhas coisas. Faz-me sentir bem (mas não tão bem quanto o que tu me fazes sentir).

Sem qualquer piada, quero que saibas que me fazes feliz e que quero fazer-te sentir o mesmo. Fizeste-me entender as letras de todas as músicas piegas, as histórias de todos os filmes românticos e o significado de todas as cartas de amor. Se é estranho? Nem imaginas o quanto. Mas fizeste-me deixar de ter medo de acreditar, fizeste com que eu perdesse o medo de arriscar. Não estou feliz, sou feliz. Devo-o a ti, que estás comigo em todos os momentos mesmo quando estás a quilómetros de mim. Vou-me habituando a tudo em ti, desde a tua mania de pedir 10 saquetas de ketchup no McDonald’s ao teu palavreado tipicamente nortenho quando te irritas a conduzir. Estou bem contigo e agora sei verdadeiramente o que é aquele sentimento que toda a gente quer sentir e que raramente encontra na vida.

BárbaraBorralhoLogoCrónica de Bárbara Borralho
Riso sem siso