As Amêndoas Amargas da Vida – Aida Fernandes

Domingo de Páscoa, flores lindas pelo chão, á entrada das casas, o sino que se ouve, as campainhas a tocar, senhores vestidos de branco ou com faixas vermelhas que erguem uma cruz beijada e enfeitada com flores, foguetes anunciar Aleluia! Aleluia! Domingo de acordar fugaz, amêndoas de todas as cores e sabores, uma nota num envelope para entregar aos senhores do compasso, ovos pintados, o pão de ló, a regueifa, a garrafa do vinho do Porto, familiares que se encontram, afilhados que recebem o seu folar! É o retracto de um Domingo de Páscoa antigo com perfume a flores de primavera.

Toda a gente aspira por uma Páscoa…um tempo de ovos e amêndoas doces, um tempo de libertação de um cativeiro imposto e estranho, muitas vezes difícil de ser entendido!

Páscoa, sinónimo de felicidade, fertilidade, longevidade, saúde, festa que simboliza a nossa passagem, a divisória que nos separa do mistério das coisas a que chamamos Vida!

Será este o conceito de Domingo de Páscoa para todos, ou pelo contrário, será mais um dia com sabor a amêndoa amarga? Infelizmente gostaria de colorir somente este dia, com tons suaves e doces, mas não consigo, não por motivos pessoais, porque felizmente ainda tenho o privilégio de reviver intensamente todo um retrato de uma Páscoa na sua plenitude, mas porque tive hoje mais uma vez que lutar contra a tristeza enorme de ver pessoas que não conseguem partilhar este dia com os seus familiares, estou a falar de idosos que pela lei da natureza se encontram numa fase de transição nesta passagem e que sentem na pele a ausência de um carinho doce do seu filho ou familiar, alguém que lhes possa mostrar um dia diferente, alguém que lhes faça reviver todo o encanto que já sentiram em outros Domingos de Páscoa.

É tão triste ver somente um suspiro ao olhar a porta de entrada ainda com alguma esperança… e aos poucos as horas vão passando, a hora do almoço chega, e a certeza que irá ser um Domingo igual aos outros permanece. É desolador receber abraços que carregam somente mágoas e ressentimentos, frases cheias de emoção, que nos obrigam a dizer palavras improvisadas de conforto (justificando sempre a favor das famílias), porque nem mesmo nós muitas vezes estamos a contar com tal abandono. Não quero com isto condenar os familiares destas pessoas, ninguém deve julgar seja o que for, gostaria somente de apelar a uma maior sensibilidade, porque quem lida com estes seres diariamente capta toda esta carência.

A uma determinada fase, passamos a ver a vida como uma amêndoa amarga envolta num papel dourado, precisamos de alguém que nos separe o papel e nos mostre que a oportunidade deste encontro entre a vida e a morte não deve ser agonizado a toda a hora, mais do que máquinas, precisamos de humanidade, mais do que inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes a vida será violenta ou melhor será sempre uma amêndoa amarga.

Quem este ano ainda não foi a tempo de contribuir para a doçura de uma vida, deve começar a pensar nisto…falo com base num testemunho de hoje que me deixou com a lágrima no canto do olho…mais parecendo um dia de inverno que um dia de Páscoa.

Mais activamente, ou não, o meu desejo é que nunca se esqueçam de aproveitar este tempo para relembrar valores fundamentais como o perdão, a tolerância e a capacidade de olharmos e darmos mais pelos outros!

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A última Etapa