As mães também choram… – Sandra Castro

Escrevo esta crónica em nome de todas as mães. As mães de quem sou grande amiga, as mães que eu conheço, as mães que me conhecem e as mães que eu não conheço que vão ler este artigo. Escrevo esta crónica em nome de todas as crianças que faleceram porque as mães as mataram.

Nós somos uma sociedade estúpida e egoísta, não admitimos mas somos. Vivemos num faz de conta diariamente, transparecemos para os outros a felicidade divina, quando na realidade vivemos completamente infelizes.

As mães também são assim, felizes muitas vezes, infelizes algumas vezes. É tão fácil desejar felicidades quando vemos uma grávida, é tão fácil dizermos que vai adorar a experiência de ser mãe, é tão fácil dizer quem tem um, tem dois, e quem tem dois, tem três, como se estivéssemos a falar de feijões e não de crianças. É tão fácil dizer que ser mãe é a melhor coisa do mundo, de facto, é a melhor coisa do mundo, mas também a pior. Não sabiam leitores? Pois eu digo-o com toda a honestidade! Temos filhos entre os 20 e os 35 anos de idade, idade esta em que, terminamos os estudos e começamos a trabalhar, um trabalho de sonho queríamos nós, horas extras não pagas, levamos trabalho para casa e problemas do trabalho também, mais uns cursos intensivos para aprofundar os nossos conhecimentos e progredir na carreira profissional. Idade esta em que, iniciamos uma relação (ou mantemos) e precisamos de tempo de qualidade para a mesma. Com o casamento vem a casa nova, mobília e essa treta toda que o nosso estilo de vida não dispensa. Com o casamento vem também as roupas para lavar, o jantar para fazer, a casa para arrumar, o cão para passear. Idade em que queremos sair com os amigos, beber uns copos, conversar à vontade, dançar sem horas de chegar. Idade em que amadurecemos mais um pouco e gostamos de cuidar mais de nós, idas ao ginásio, ao cabeleireiro, umas massagens, umas corridas pela praia. E com tudo isto, que é o nosso dia-a-dia, aonde arranjamos tempo para ter um bebe? Ou dois? Ou três? Não é fácil leitor! Como é que uma mulher se desdobra em tantos papeis e consegue desempenhar a todos na perfeição? Não consegue! A frase abdicar em prol de diz-vos alguma coisa? A mim também! Quanto mais depressa admitirmos e aceitarmos esse facto melhor para nós.

Acredito na depressão pós-parto, na depressão muito tempo depois do parto e, acredito que é muito difícil sairmos desse “buraco negro” se nos sentirmos sozinhas e sobretudo se não nos sentirmos amadas. Eu nunca tive uma depressão, mas andei lá perto, perto o suficiente para me assustar comigo mesma. Chorei muitas vezes, vezes de mais, aninhada no chão do quarto dos meus filhos. Chorava enquanto olhava para o tecto pintado de azul coberto de estrelas fluorescentes, e perguntava a mim mesma se merecia os filhos que tinha. Pedia ao meu Deus e à minha avó para me darem forças divinas, porque eu já não aguentava mais a forma como a minha cabeça estava a lidar com a carga de trabalho que eu tinha diariamente. Pedia desculpas à Divindade porque era uma mãe sortuda, por ter uns filhos espertos e saudáveis, e não dar valor a isso. Sentia-me anulada como mulher, profissional, amiga e sobretudo como mãe. É difícil ser mãe, leitores. Há uma linha ténue entre a razão e a loucura e quem é mãe sabe o que isso significa. Nunca tive vontade de matar os meus filhos, desculpem a frieza nas minhas palavras, sou franca e realista como todas as mães deviam ser. Já tive vontade de pegar neles e fugirmos os três para bem longe de tudo e de todos, irmos para o campo e vivermos uma vida mais pacata e sossegada. Sem creches, escolas, contas para pagar, idas às compras, casa cheia de tralha para arrumar. Viver com eles e para eles, tão simples e perfeito quanto isto. Acho que a mulher comum não mata friamente um filho. É  preciso avaliar estes casos com seriedade, mães que tem um historial de doença bipolar, traumas de infância, problemas relacionados com vícios como álcool e drogas, mães que sofram abusos e agressões por parte dos companheiros, necessitam de um acompanhamento que infelizmente não têm. E não têm porque a sociedade recrimina, julga, critica, quando o ideal era ajudar da melhor forma que pudesse e soubesse.

A mim, pessoalmente, já não me interessa a opinião das pessoas. Se dou um berro aos meus filhos, se os chamo a atenção, se choro no meio da rua de cansaço, se lhes dou uma palmada no metro, o problema é meu! Está preocupado com os meus filhos? Esta a criticar-me? Então venha até minha casa, faça o jantar, lave a louça, limpe a cozinha, passe a ferro e deixe tudo preparado para a correria do dia seguinte, enquanto eu me alapo no chão da sala a brincar com os meus filhos e aí sim, veja se consegue abrir a boca para dizer o que quer que seja!

Espero que não me interpretem mal, leitores, eu não estou a tentar desculpar as mães que cometem esta crueldade, o que lhes espera a nível emocional, a culpa que vão carregar no coração a vida toda é o pior pesadelo que alguma vez imaginariam passar. Eu apenas quis escrever que por vezes, um sorriso, uma conversa franca entre mães, deixarem a mãe desabafar e chorar à vontade, uns mimos, ir tomar um cafezito no café à beira-mar, ajudam tanto uma mãe que esteja deprimida. Pequenos gestos que a ajudam a compreender que é boa mãe e que só esta  a passar por uma  fase má que será certamente passageira, porque as mães também choram mas também rimos e sorrimos muito, e é esta é a parte boa da vida.

Crónica de Sandra Castro
Ashram Portuense