As mamocas de mecânico – Miguel Bessa Soares

Quem cresceu nos anos 80 e leu o titulo desta crónica, já viu tudo, já sabe onde o texto vai parar. E é isso mesmo, estás certo!

Eu tenho saudades de nos anos 80 ir ao mecânico com o meu pai. Havia qualquer coisa de mágico no ar. Ali era o natural habitat masculino. E desde tenra idade sabíamos reconhece-lo.

O dia de ir levantar o velho Opel Record, ou a Citroen Dyane era mítico. Não havia um contacto telefónico, muito menos um SMS. O meu pai deixava lá o carro e o Sr. Alcides dizia: “- Sr. Soares, pode vir buscar no dia X”. Nesse dia estávamos lá, e o que eu adorava ir com ele.

Enquanto o Sr. Alcides explicava ao meu pai as peças que tinha trocado, naquele escritório gordurento de óleo, eu perscrutava as paredes em busca dos calendários com mamocas de fora. E eram tantos, loiras, morenas, mestiças, asiáticas ainda não estava na moda. Todas top model, sempre em topless. Assim que o meu pai reparava para onde eu estava a olhar diria com um tom orgulhoso: “- Gostas não gostas, meu filho”. Os pais nos anos 80 eram assim, orgulhosos pela orientação dos filhos, sem medos reservas ou protecções.

E o que eu gostava daquilo.  Eu tinha menos de 10 anos, não conseguia entender o meu fascínio por aquilo. Do pouco que sabia tinha a certeza que aquilo a certa altura da vida dava leite. Mas havia algo dentro de mim que me dizia que no futuro eu ia arranjar outras utilizações para aqueles pares.

Eu tenho a certeza que foi dentro de um mecânico que eu decidi que um dia ia ter carta e carro, não pelo prazer de conduzir, mas pelo prazer de ir ao mecânico levantar o meu carro pronto, e poder ver uns bons pares de mamocas. Meu Deus como eu estava errado…

Pode ser culpa da internet que facilitou o acesso livre e rápido a belas mamocas, pode ser porque hoje em dia as oficinas já não são habitats masculinos, já que agora tanto vão lá homens como mulheres, mas o que é facto é que hoje em dia quando vou à oficina do filho do Sr. Alcides, o escritório já não tem óleo gordurento, tem um aspecto decorado, e não há uma única mamoca (já nem peço o par) que se veja. Para piorar eu tenho quase a certeza que o filho do Sr. Alcides é gay, o que me deixa triste e muito nostálgico por aquele lugar mítico onde crianças se tornaram homens.

O cúmulo da tristeza chega na hora de pagar, e no mesmo lugar onde recordo o Sr. Alcides a puxar de uma folha (igualmente gordurosa) e escrever nomes de peças masculinas como: “junta da colaça”; “cardan”; “cambota”. O filho do Sr. Alcides hoje entrega-me uma folha impressa no computador, exageradamente branca com nomes como: “centralina”; “injector electrónico”. E no fim da folha diz algo do género 475€.

No momento em que puxo do cartão de crédito, com desejo enorme de nunca ter comprado um carro, no momento em que o ar começa a faltar tal qual um naufrago no seu último fôlego  a minha cabeça ainda anda à roda a procurar um par de mamocas que me dê alento para continuar… mas elas não existem. No século XXI mais vale ser politicamente correcto, do que agradar um cliente.

MBSCrónica de Miguel Bessa Soares
Geração 80