Cidália, a viúva quente – Sandra Castro

Conheço algumas viúvas alegres, felizes com a vida como nunca o conseguiram ser nos muitos anos que foram casadas.

Atrevo-me a dizer que as viúvas alegres só vão ao cemitério visitar o falecido por dois motivos: primeiro porque se não o fizerem parece mal perante a família, os vizinhos e companhia. Segundo porque gostam de fazer uma troçinha do defunto. Ai Zé, meu querido esposo, fazes-me tanta falta! A minha vida agora é ir aos bailes, lanchar com as amigas viúvas no café,  ir ao cabeleireiro e dar conversa ao vizinho do lado, o Sr. Manel, a vida já não é só panelas e roupa na pia.

Mas nunca conheci uma viúva como a Cidália.

Cidália era uma mulher linda, de peito generoso e anca acentuada. Tinha uns olhos castanhos tristes e uns lábios simetricamente perfeitos, faces ligeiramente rosadas e cabelos fartos castanhos de mel. Todos os homens por quem passava lhe gabavam a figura estonteante.

Cidália ficou viúva muito nova, com 35 anos, casou aos 18, gravida, com o homem que amava. Ela amava-o e ele também a ela.

Tiveram um casamento simples, com a gravidez encoberta, para pouparem os pais e os sogros do falatório no bairro onde moravam.

Cidália teve dois filhos, uma menina de nome Céu e um menino de nome José. Cidália era feliz.

Quanto ao sexo, Cidália nunca soube realmente o significado de fazer amor. Era sempre a monotonia de um “anda cá, já está”, embora ela ficasse ,digamos que, ligeiramente desconsolada, ela nunca pensou que ter sexo fosse diferente daquilo que ambos faziam.

De vez em quando o marido bebia uns copos a mais, chegava a casa bêbado e batia-lhe.

De vez em quando também gastava o ordenado em prostitutas. Mas Cidália gostava dele e ele dela.

O marido faleceu aos 40 anos, no dia 4 de Agosto de 1979, de um ataque fulminante. Cidália ficou viúva e ficou sozinha com dois filhos nos braços.

Os anos passaram e Cidália continuava sozinha. Aos 40 anos, os filhos foram estudar e trabalhar para fora do país e a viúva ficou ainda mais sozinha.

Foi também aos 40 anos que Cidália teve uma bela revelação (bem dizem os entendidos que é aos 40 anos que se começa a viver bem). Certo dia, a viúva estava no café com uma amiga quando ouviu a conversa das mulheres que estavam na mesa ao lado.

Achas Mónica? Eu ter homem com esta idade? Há tantos anos que estou viúva. Nem pensar! Não há nada como ser independente. Tenho a minha casa, o meu trabalho, o meu dinheiro. Não lavo cuecas nem cinzeiros de homem nenhum, nem dou satisfações a ninguém. Quanto ao sexo, tenho dez dedos e só preciso de dois…

Cidália só teve um homem na sua vida e já tinham passado muitos anos desde a sua morte prematura. No seu intimo ela desejava um homem na sua cama a beijar-lhe todos os centímetros do seu corpo. Cidália estava quente, estava com a febre corporal e mental dos 40 anos e ficou a pensar naquela conversa reveladora no café habitual.

Como todas as noites, a viúva deitou-se na sua cama solitária e pensou: dez dedos e só preciso de dois…hum…qual o significado disto?

Cidália nunca se masturbou, na realidade tal coisa nunca lhe tinha passado pela cabeça, mas naquele momento todas as ideias altamente sexuais passaram lhe como um tornado pela mente e não só.

Cidália subiu a camisa preta com que ia dormir nessa noite, passou a mão levemente pelas suas coxas firmes e bem devagar acariciou-se a si própria, bastou um dedo e um minuto e meio para que ela sentisse uma sensação poderosa de vibração intensa  pelo corpo todo e a fizesse gemer sem qualquer tipo de disfarce. Cidália teve um orgasmo. Ainda suada e descomposta, ela  sorriu e adormeceu logo a seguir profundamente.

Cidália, a viúva quente, morreu no dia a seguir de um acidente de viação. Dizem que foi fazer companhia ao marido que morreu com a mesma idade.

Dizem também, quem foi ao funeral, que as pessoas ficaram espantadas quando abriram a tampa do caixão. Cidália tinha no seu rosto pálido e moribundo de defunta, um sorriso de orelha a orelha.

Ainda  hoje esta história é contada de pessoa para pessoa, e até hoje ninguém soube explicar aquele fenómeno. Mas nós sabemos, não é leitor?

Crónica de Sandra Castro
Ashram Portuense