Pluralidades – Cimeira Europeia: uma mão cheia de nada

          A Cimeira Europeia do passado dia 9 de Dezembro, em Bruxelas, soube a pouco. O self-entitled líder da União Europeia, o casal Merkozy, apresentou propostas que ficaram aquém da solução robusta e perene de que a UE necessita. Se a Europa era já uma Instituição de países divididos e desprovidos do sentido de colectividade e solidariedade que fundaram o Projecto Europeu, essa ideia fica agora ainda mais acentuada. Em cima da mesa estava a alteração ao Tratado de Lisboa e a edificação de um consenso que amparasse a galopante crise económica e financeira, através da consolidação orçamental e do reforço de medidas que garantam uma eficaz aplicação do Pacto de Estabilidade e Crescimento.

          No fundo, pretende-se aplicar de uma vez por todas o que já estava consubstanciado no Tratado de Maastricht, mas que todos os países ignoraram, incluindo a própria França, e até a Alemanha, o primeiro país a violar a regra do limite de 3% de défice das contas públicas. Esse Tratado previa já a aplicação de sanções que passaram completamente despercebidas. O endividamento público estava também devidamente legislado, mas os valores nunca foram respeitados, sendo que agora o eixo franco-alemão quer baixar ainda mais os tectos do défice e endividamento, estratégias absolutamente mortais para economias periféricas, dependentes do financiamento externo. Se antes já não se cumpria, duvido que agora se cumprirá.

          Mais, a França e a Alemanha querem que tudo isso esteja escrito como dogma nas Constituições nacionais de cada país. Qual diktat, a disciplina, controlo e vigilância são executados debaixo de um clima de terror e medo, segundo quer esta liderança bicéfala, que acena com o Tribunal Europeu para quem não cumprir. O défice de um país não poderia ser superior a 0,5% do PIB (o nosso é de 9,1% em 2010), e a dívida acima dos 60% do PIB (a nossa é de 92%; a Itália 119%; e a Grécia 142%, segundo o Eurostat).

          Quem não se mostrou vexado em bater o pé foi o Reino Unido, provavelmente o país da UE mais egocêntrico de todos. O UK queria usufruir de um estatuto especial que o considerasse como excepção às novas regulamentações financeiras. Como as alterações a um Tratado carecem de unanimidade, o Reino Unido fecha essa porta e colide com Merkozy, forçando uma via alternativa, a chamada “União de Estabilidade”, onde constará a transferência de soberania e a possibilidade de orientação da parte de Bruxelas em caso de descontrolos nacionais. A teimosia inglesa atira assim o país para um isolamento. É preciso lembrar, contudo, que 40% das trocas comerciais do Reino Unido são realizadas com países que compõem o bloco do Euro, logo seria de todo o interesse a cooperação inglesa.

          Por esclarecer ficaram muitas coisas, como o verdadeiro papel do Banco Central Europeu, que menospreza, de uma maneira ou de outra, o seu actual estatuto de independência em relação aos Estados-Membros e Instituições da União Europeia (coisa que muitos convenientemente se esquecem quando opinam sobre esta Instituição), evidenciado pela aquisição de dívida soberana nos mercados secundários. Se o BCE não comprar dívida activamente e injectar liquidez, o financiamento da Zona Euro será possivelmente remetido para um colapso.

          O tabu em relação às Eurobonds é também desconfortável, pois como se diz na minha terra: “quem está para os beijos, está para os abraços”, e se queremos federalismo económico e político, deveríamos também aceitar uma mutualização das dívidas dos Estados. Se as economias mais ricas europeias não fossem tão focadas nos seus próprios interesses, perceberiam que a colectivização da dívida ajudaria a estabilizar as crescentes taxas de juro, e a estimular a confiança no investimento europeu, além da flexibilização das assimetrias que o Euro acarreta. A nova taxa de juro seria ponderada com base na taxa alta de países como a Grécia ou Itália, e a taxa mais baixa de países como a Alemanha. Ainda que supostamente a Alemanha ficasse em desvantagem, deve entender que se deixar cair os seus parceiros, gripa o motor das exportações que lhe concede o estatuto de economia mais forte da Europa.

          Concluindo: a alternativa ao desmantelamento da Europa é o fortalecimento, e o fortalecimento passa pela colectivização da dívida. Necessitamos igualmente de uma maior expressão dos Estados que combatam o despotismo franco-alemão (alguém já ouvi sequer uma opinião da Bélgica, Irlanda ou nossa? Alguém entende como podem entrar numa Cimeira mudos e saír calados?). O Euro é nosso e é de todos, portanto chega de nos comportar como se fossemos meros convidados que estão na Moeda Única por especial favor, pois na realidade fomos também nós que a pensamos e criamos. À parte das questões financeiras, estaríamos a transformar o sonho em pesadelo, e a deitar fora os inúmeros benefícios decorrentes da União, bem como a posição e o prestígio internacional alcançado. Em caso de desagregação, os estados europeus, vendo-se sozinhos, têm uma expressão medíocre. Mas juntos, com estratégia e visão, ainda pode ser que tenham cartas para dar!

Crónica de Joaquim Ferreira
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