Às vezes dou por mim a pensar… Que tipo de crianças estamos nós a educar?
Ontem andei a fazer umas arrumações e no meio da confusão encontrei uma caixa com sacos no seu interior. Curiosa, olhei e abri os pequenos sacos. Para grande surpresa eram peças de puzzles, mas todos misturados. Contente, sentei-me à secretária a tentar fazê-los. Não foi fácil, porque não sabia que tipo de imagens tinha. Entretanto ouvi uma voz grossa: “ Tu gostas de fazer puzzles?” E porquê que não devia de gostar? Na minha infância passava horas e horas a construir puzzles ou fazer construções de legos, a andar de bicicleta, a brincar na terra, a rebolar na relva etc. Quanta terra eu comi? E apanhar chicletes do chão? E não foi por isso que fiquei mais ou menos doente!
E agora? Olhamos à nossa volta e vemos as ruas vazias, despidas da infância. Os montes cercados por rede que impedem de serem invadidos pela alegria das crianças.
Ouve-se muitas vezes: “ Ai, o meu filho não se pode sujar!”, “ Não podes brincar na terra”… Não podes isto, não podes aquilo. Proteção excessiva, digo eu.
Quantas vezes eu comia terra ou apanhava chicletes do chão e punha-as à boca! E não é por isso que tenho mais ou menos doenças. Porque não deixam a criança aprender livremente, explorando aquilo que o meio lhe oferece?
Depois vejo as crianças serem absorvidas pelos meios tecnológicos. Chegam a casa e vão jogar computador ou playstation ou ainda ver televisão. E o convívio, a relação com os outros?
Um dia destes um menino comentou comigo: “Que fixe estar de férias, agora posso estar o dia todo no pc”… Tanto tempo no computador. Será que não faz doer o rabo? Quando estou muito tempo sentada, fico com os músculos dormentes e dá-me a preguiça. E a estas crianças acontece o mesmo.
Esta sociedade desenvolve crianças com vida sedentária e cérebros irreversíveis e pouco desenvolvidos. Não sei se foi o melhor termo, mas a uns anos atrás (cerca de 10) eu se quisesse alguma coisa, desde a casa da barbie, roupas para a boneca, eu é que as tinhas de fazer. Não havia dinheiro para este tipo de coisas e como eu “precisava”, porque a boneca não podia viver sem casa ou não podia vestir sempre a mesma roupa, pegava nos legos e construía uma casa e nos retalhos e costurava roupas. Obviamente que nem de perto nem de longe tinham a ver com aquilo que queria, mas tentava por mim própria chegar ao objetivo e ficava feliz.
E hoje? Têm tudo e mais alguma coisa. “ Mãe, tens de me comprar uma playstation porque o X também tem”. Quase que obrigam os pais a comprar as coisas, fazendo birras, pressionando a sensibilidade paterna ou materna.
À uns tempos atrás, deparei-me com uma situação: Um menino exigiu à mãe que compra-se um telemóvel, no entanto, a mãe disse que não tinha dinheiro para o comprar. O menino continuou a pressionar a mãe dizendo que muitos meninos já tinham e que gostava muito e tinha de ser aquele, contudo a mãe manteve pulso forte. E sabem o que ele fez? Tirou negativa num teste só para mostrar a sua revolta perante a situação, pondo em risco ter nega no final do ano.
Temos urgentemente pensar no estatuto de criança. São os cidadãos de amanhã.
Criança hoje, não obrigada!
Crónica de Raquel Santos
Pequenos Desabafos
Bem, isso de apanhar chiclets do chão, creio que o fiz uma vez, mas vinha com cabelos, portanto não repeti a proeza… quanto a andar de bicicleta, nunca achei grande piada, sempre fui mais de ler e ver televisão, embora há vinte e qualquer coisa anos (tenho trinta e três) a escolha fosse parca… Sempre preferi também as minhas bonecas e as loucinhas de brincar, compradas nas Fontainhas, a andar às corridas…
Quanto aos miúdos de hoje, os meus filhos têm mais tralha que eu tinha da idade deles e não andam a brincar na rua comigo, mas desfazem rolos de papel higiénico e, com palitos e palhinhas, constroem-me maquetes, jardins zoológicos e colares… Jogam Nintendo DS mas desenham-me guardanapos de papel e fazem puzzles de 500 peças…
Quanto ao menino a “fazer chantagem”… bem, quando eles são habituados desde pequeninos a ter sucesso com birras…