Desadequação de Passos – João Cerveira

Hoje proponho-me analisar o adequação do actual Governo à Lei fundamental do país, a Constituição, numa análise não apurada – não sou constitucionalista – mas concisa.

Vejamos:

Artigo 81.º

Incumbências prioritárias do Estado

Incumbe prioritariamente ao Estado no âmbito económico e social:
a) Promover o aumento do bem-estar social e económico e da qualidade de vida das pessoas, em especial das mais desfavorecidas, no quadro de uma estratégia de desenvolvimento sustentável;
b) Promover a justiça social, assegurar a igualdade de oportunidades e operar as necessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento, nomeadamente através da política fiscal;
c) Assegurar a plena utilização das forças produtivas, designadamente zelando pela eficiência do sector público;
d) Promover a coesão económica e social de todo o território nacional, orientando o desenvolvimento no sentido de um crescimento equilibrado de todos os sectores e regiões e eliminando progressivamente as diferenças económicas e sociais entre a cidade e o campo e entre o litoral e o interior;
e) Promover a correcção das desigualdades derivadas da insularidade das regiões autónomas e incentivar a sua progressiva integração em espaços económicos mais vastos, no âmbito nacional ou internacional;
f) Assegurar o funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência entre as empresas, a contrariar as formas de organização monopolistas e a reprimir os abusos de posição dominante e outras práticas lesivas do interesse geral;
g) Desenvolver as relações económicas com todos os povos, salvaguardando sempre a independência nacional e os interesses dos portugueses e da economia do país;
h) Eliminar os latifúndios e reordenar o minifúndio;
i) Garantir a defesa dos interesses e os direitos dos consumidores;
j) Criar os instrumentos jurídicos e técnicos necessários ao planeamento democrático do desenvolvimento económico e social;
l) Assegurar uma política científica e tecnológica favorável ao desenvolvimento do país;
m) Adoptar uma política nacional de energia, com preservação dos recursos naturais e do equilíbrio ecológico, promovendo, neste domínio, a cooperação internacional;
n) Adoptar uma política nacional da água, com aproveitamento, planeamento e gestão racional dos recursos hídricos.

O negrito nas alíneas é meu. Tomei a liberdade de salientar, desta forma, alguns pontos de um conjunto de alíneas onde todos os pontos são essenciais. Eu meu entender – e no de milhares de pessoas que têm contribuído para o debate, quer nas manifestações, quer online, sobre as medidas do actual Governo – somos governados por quem não tem noção do que  é promover o bem estar económico e social dos portugueses, promover a coesão económica e social do país, bem como salvaguardar a independência nacional, quer dos restantes países, quer dos chamados “mercados”, que mais não são que os grandes especuladores dos mercados de risco – que, outrora foram chefiados por António Borges, actual conselheiro do Governo para as privatizações e ex-presidente do PSD – que exploram as fraquezas dos países e economias, para lhes emprestar fundos a altas taxas de juro (6%,7% ou mais), fundos esses que, na maioria, são adquiridos aos bancos centrais por 1% ou 2%.

Acerca da legitimidade do povo, dos portugueses, para se manifestarem e, voltando um pouco atrás na Constituição, sem perder a ligação com o que se estava a falar:

Artigo 9.º
Tarefas fundamentais do Estado

São tarefas fundamentais do Estado:

a) Garantir a independência nacional e criar as condições políticas, económicas, sociais e culturais que a promovam;
b) Garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático;
c) Defender a democracia política, assegurar e incentivar a participação democrática dos cidadãos na resolução dos problemas nacionais;
d) Promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais;
(…)

Há, aqui, alguma dúvida, que a independência nacional está posta em causa pela subordinação a Bruxelas, ao FMI mas, mais do que isso, à especulação? Países como os EUA têm muito maior défice e dívida. Há Estados do EUA cuja a divida é tal, que não há quem lhes empreste dinheiro. Porque é que a especulação lá não tomou as proporções que teve na Europa? Porque os EUA são uma país federativo forte e repeliu, em certa medida os especuladores. Mas, acima de tudo por dois factores: os especuladores e agências de rating são americanos, por isso não expõem a sua própria economia, pois podia por os seus negócios em risco; a União Europeia, comandada por Merkel e Sarkozy, em vez de se unir contra a agressão da especulação, protegendo a União e os cidadãos, colaborou com estes, fez-lhes a vontade, e reprimiu ainda mais os países já afectados por aqueles associados do Sr. Borges cujo único objectivo é convencerem os mercados que os ditos países estão em dificuldades, para que os ratings baixem e, consequentemente, possam aumentar os juros e ganhar mais dinheiro com isso.
As alíneas c) demonstram como a própria Constituição consagrou a tarefa do Estado em chamar os portugueses a participar na resolução dos problemas nacionais. Em vez disso, Passos Coelho ignora os cidadãos.
A alínea d) leva-nos para o parágrafo anterior.

Não me querendo alongar mais, termino mostrando-vos que a Lei principal diz, claramente, que a soberania e a legitimidade do poder político reside no povo, e que este tem direito a manifestar-se, a resistir à agressão ao ataque aos seus direitos, liberdades e garantias fundamentais. Há certos garantes (como, por exemplo, o Provedor de Justiça ou o Tribunal Constitucional) que se não estivessem consagrados constitucionalmente, este Governo já teria arranjado forma de os anular ou eliminar.

Artigo 3.º
Soberania e legalidade

1. A soberania, una e indivisível, reside no povo, que a exerce segundo as formas previstas na Constituição.

2. O Estado subordina-se à Constituição e funda-se na legalidade democrática.

(…)

Artigo 21.º
Direito de resistência

Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública.

(…)

Artigo 108.º
Titularidade e exercício do poder

O poder político pertence ao povo e é exercido nos termos da Constituição.

 


Crónica de João Cerveira
Diz que…