Diz que … a culpa é sempre do outro

Quando o programa “5 Para a Meia Noite” (RTP2) tinha como anfitriã das segundas feiras Filomena Cautela, havia uma rubrica chamada “Se não fosse verdade, até tinha piada”. É o que me apetece dizer.

Eu lembro-me que, na minha adolescência – os loucos anos 90, parafraseando alguém – falava-se muito do funcionário público como a profissão de sonho, onde se ganhava bem, havia muitas vantagens (médicas, etc) e, acima de tudo, pouco trabalho e sem horas extraordinárias.  Os portugueses têm por norma exagerar, especialmente quando é para “gozar” com algo. Mas nem tudo isto eram inverdades.

Depois de Mário Soares, num governo AD, ter recorrido ao FMI, Aníbal Cavaco Silva chega a São Bento e governa num período de “vacas gordas”,  onde a CEE (que em 92 passou a UE, com Maastricht), em que havia fundos comunitários para tudo e mais alguma coisa. Até para se pagar aos agricultores para não produzirem e aos pescadores para não pescarem. Foi assim, nestas condições, que o Cavaquismo gerou o “monstro” chamado défice e engordou, não só as contas bancárias dos amigos (é só pensar em casos como o BPN, criado em 93) mas também todo o aparelho de Estado. Isto em 10 anos.

Nos 6 anos que se sucederam, Guterres foi desmedidamente pró-social, ao ponto de o Estado dar vários e quantitativamente muito relevantes subsídios supostamente sociais, sem assegurar que quem os recebia realmente precisava deles. Aumentou então mais um pouco o “monstro” de paternidade cavaquista.

Durão Barroso fez visita de médico a São Bento entre 2002 e 2004, para depois fugir para Bruxelas, como Presidente da Comissão Europeia. Pedro Santana Lopes substituí Durão e não durou mais que 6 meses, tal não foram as contradições e confusões do seu curto mandato. Não convém esquecer que, apesar de curta, esta passagem pelo Governo de Durão, trouxe Manuela Ferreira Leite à pasta das Finanças, que entendeu que o Estado estava a gastar demais em vários sectores. Nomeadamente no Ensino Superior, com Pedro Lynce, começou o agora conhecido como “corte cego” de despesa. Cortes esses que Bagão Félix, com Santana Lopes pretendia continuar, mas não houve tempo.

Em 2005, chega Sócrates ao Governo e os primeiros anos (talvez 2 ou 3) foram de grande alento para muitos portugueses. Pelo menos para mim foram. A saber: indexação dos ordenados dos titulares de órgãos políticos ao vencimento do Presidente da República, para acabar com os salários milionários; proibição de acumular vários ordenados (casos, por exemplo, dos vereadores que desempenhavam também cargos – muitos deles não executivos – nas várias empresas municipais e recebiam um ordenado por cada, e de acumular ordenado com pensão (como o caso do Presidente da República); criação das Lojas e Cartão do Cidadão; criação de plataformas online para facilitar entregas de documentos e acesso à informação da Administração Central; reforma da Segurança Social, que garantiu a sua sustentabilidade pelo menos até 2025; entre outros. Nomeei apenas aqueles que me recordo agora e/ou que mais uso. Mas, como todos os políticos, perto de eleições é “virar o disco e tocar o mesmo”. Perto de eleições já não interessou se as medidas eram estruturantes, competitivas e/ou eficazes, apenas se davam votos. E foi o descalabro. A mesma coisa no segundo mandato, de 2 anos (antes de se demitir). Especialmente na teimosia de reconhecer o que o seu Ministro das Finanças já lhe tinha feito saber há muito: era tarde demais. Tinham mesmo de pedir apoio financeiro ao FMI. Já tinham atingido o chamado ponto sem retorno.

Façam as contas. Entre o FMI chamado por Soares e o FMI chamado por Sócrates, tivemos 10 anos de Cavaco, 2 de Durão e meio ano de Santana Lopes (12 e meio para o PSD) e 6 de Guterres e 6 de Sócrates (12 para o PS). Se a isto juntarmos tudo o que de fundos comunitários entrou em Portugal e em que anos, por muito desastroso que possa ter sido Sócrates, alguém acredita que isto era um mar de rosas e que se não tivesse existido Sócrates éramos um país riquíssimo, a ganhar 1000 euros de ordenado mínimo e com o IVA a baixar para metade?

Há duas coisas que não podemos esquecer: a crise económica europeia a ter culpados, são, por um lado, os interesses económicos americanos, que estão a usar a especulação para enfraquecer a Europa, em especial a zona Euro (recorde-se que o Euro quase sempre valeu mais do que o dólar), de forma a tirar partido financeiro disso e, por outro lado, dos poderosos da Europa, que sub-valorizaram o poder destes especuladores e não reagiram. Nem se coloca a questão se reagiram a tempo ou não. Simplesmente, não reagiram. A segunda coisa a não esquecer é que, tendo em conta os últimos 30 anos da nossa história, o “monstro” burocrático e ineficiente que se tornou o aparelho de Estado sob pode ter um responsável máximo: Aníbal Cavaco Silva. Perto da influência negativa que Cavaco teve (basta pensar no défice), Guterres, Durão, Santana Lopes e Sócrates foram “meninos de coro”.