A dor de perder um filho – Sandra Castro

Nunca perdi um filho…em todas as minhas conversas com Deus eu peço-Lhe que não tenha destinado para mim uma dor dessa dimensão. Aos 21 anos deixei de ser apenas a Sandra , idade em que tive o meu primeiro filho, a partir desse dia e para sempre ganhei uma nova autenticidade, sou a Mãe Sandra. Se perdesse um filho, perderia também a minha identidade.

Mas não há um dia, um dia sequer, no caminho do trabalho, numa pausa do almoço, quando me deito, quando brinco com os meus filhos, que não me lembre da minha amiga que perdeu a filha. Lembro-me, como se fosse hoje, quando o casal anunciou a gravidez. Em minha casa, num jantar entre amigos: Não bebes vinho? Não posso! Não me digas?!!! Estás gravida! Estou! Festejamos a boa noticia e brindamos. Uma gravidez planeada, com todos os exames, ecografias, toda a roupinha cor-de-rosa e quarto prontos para receber a Débora.

Aos quinze dias de vida, uma ida de urgência ao hospital, onde já não saiu com vida. Uma semana de luta, os médicos não tinham a certeza que doença a bebé realmente tinha. A Débora  morreu nos braços da mãe, conseguem sequer imaginar tal dor?

O funeral foi doloroso…a bebé parecia um anjo a dormir na pequena urna, com o seu vestido de menina. A mãe não reagia, estava gélida. Que se pode dizer a uma mãe numa hora destas?

Já passaram mais de quatro anos…aquela mãe nunca mais foi a mesma, um filho não substitui o filho que faleceu, nem tão pouco completa uma mãe, talvez minimize a dor porque continuamos rodeadas de amor pelos outros filhos, mas a dor da perda está sempre presente. E quando estamos profundamente magoados e sem fé cometemos atrocidades e mudamos por completo o rumo das nossas vidas. O casal separou-se e seguiram vidas diferentes com outras pessoas, a mãe teve uma bebé e também lhe deu o  nome Débora. Encontram-se há dois anos numa atroz disputa pelos dois filhos que não parece ter fim. Se a bebe não tivesse morrido, seria este o rumo deste casal? Ou ainda estariam juntos?

A Dona Carminda, uma cliente que adoro, não tem filhos. Teve seis vezes grávida e nas seis gravidezes os bebes faleceram com problemas respiratórios. Os bebes já formados com sete meses de gestação. Fez o funeral dos seus seis filhos que nunca chegaram a viver uma vida. Conseguem imaginar a dor desta senhora? Quando me dizem que a Dona Carminda tem um feitio difícil, eu discordo, não é difícil, é especial.

E o tio emprestado dos meus filhos, como costumam dizer, perdeu o seu único filho, o Cristiano de três anos, num trágico acidente, há alguns anos. Conseguem imaginar a culpa que este pai carrega? Um homem com todas as qualidades que os pais deveriam ter! Era este sofrimento que lhe estava destinado? Aonde vamos buscar a fé depois de um acontecimento destes? Vamos confiar em Deus depois de Ele nos ter “roubado” a nossa criança? Sem fé, os pais percorrem caminhos turvos e tenebrosos, como referi em cima, encontrar um motivo para continuar esta caminhada difícil é impraticável, andamos anos e anos como marionetas da nossa vida, porque vivemos sem vontade.

Tudo é substituível, o emprego, o patrão, a mulher, o marido, os amigos, a casa, até os pais o são, porque os filhos adoptivos são tão ou mais felizes que os filhos próprios, mas um filho…um filho é insubstituível! A lei natural da vida não é os filhos fazerem o funeral dos pais? Então era assim que deveria ser sempre…porque é que Deus mudou a lei?

Crónica de Sandra Castro
Ashram Portuense