Em busca da “partícula de Deus” – Francisco Duarte

Correm pelo ar notícias entusiasmantes sobre o nosso entendimento do universo. No passado dia 4 de Julho foi revelado que uma das muitas experiências a decorrer no Large Hadron Collider (LHC) do CERN, na Suíça, apresentou dados consistentes com o que se espera ser o bosão de Higgs. Ainda é cedo para saber se é “o” bosão de Higgs, ou apenas “um” bosão de Higgs. Isto porque existem diversas partículas previstas pelo Modelo Standard (MS) da física moderna, desenvolvido na segunda metade do Século XX por uma vasta equipa de físicos que incluía Peter Higgs, e acredita-se que existam outras imprevistas.

Mas vamos por partes.

O bosão de Higgs

Tentemos compreender o universo. Não é tarefa fácil, mas creio ser algo que podemos assimilar. Sabemos que a gravidade é das forças mais poderosas e dominantes do universo, é que o faz as coisas girarem em redor das outras e o que as mantém coesas, e que algo há-de ser responsável pelo seu funcionamento. Para a gravidade funcionar, então, precisamos de massa. Precisamos de algo que justifique o porquê de as coisas criarem um poço no fabrico do espaço e, assim, criar gravidade.

Ora, a questão da massa é uma bastante problemática. A gravidade faz funcionar as coisas no plano do muito grande, isto é, é o que faz com que os planetas deste sistema solar girem em redor do Sol e que nós sejamos atraídos pela Terra e não voemos para o infinito. Mas para compreender a massa, precisamos de entrar no campo do muito pequeno.

Se a matéria é formada por átomos, e estes compostos por protões, neutrões e eletrões, então estas mesmas partículas, serão, por sua vez, formadas por partículas ainda menores, chegando até às partículas responsáveis pelos fenómenos eletromagnéticos e as forças fracas e fortes responsáveis pela coesão atómica. O MS foi criado de modo a responder às questões levantadas pelo modo como funcionam estes fenómenos, muitos deles parecendo demasiado pequenos e complexos para a mente humana abarcar. Uma destas partículas é o bosão de Higgs, alcunhado de modo sensacionalista pelos media como a “partícula de Deus”. A razão pela qual foi dada esta alcunha prende-se, exatamente, com a importância da massa para a existência do universo como o conhecemos.

A teoria define a existência de um campo de Higgs, e que a interação de outras partículas com este campo seria a responsável pela existência de massa. Uma partícula que atravessasse o campo sem interagir com o mesmo não conteria massa, enquanto partículas que interagissem teriam e, assim, justificar-se-ia a existência da gravidade e de outros fenómenos da física. Ora, o problema até ao momento residia no facto de que esta elusiva partícula ainda não fora encontrada, e o motivo pelo qual a massa existe ainda estava por explicar. Mesmo o próprio Peter Higgs tinha dificuldades em acreditar que o bosão fosse encontrado no seu tempo de vida. Mas as tentativas de o fazer já estavam em curso há algum tempo.

Large Hadron Collider

O LHC foi criado, em grande medida, para encontrar exatamente este bosão. É o maior e mais poderoso acelerador de partículas do mundo, um anel de engenharia avançada com 27 quilómetros de diâmetro, enterrado profundamente sob a França e a Suíça. Usa poderosos campos magnéticos para projetar partículas subatómicas, sobretudo protões, uns contra os outros, desintegrando-os e utilizando equipamento incrivelmente complexo para estudar os resíduos do impacto, que serão as partículas constituintes do protão. Tendo o projeto sido iniciado há mais de vinte anos e a construção feita entre 1998 e 2008, o LHC revelou-se uma máquina com capacidades muito para lá das expectativas dos seus criadores, capaz de fazer descobertas que mesmo na altura da sua ativação de consideravam impossíveis.

Partes importantes do complexo do LHC são o ATLAS e o CMS, diferentes detetores criados com o objetivo de recolher os dados de cada experiência. Foram estes mesmo detetores que confirmaram, no passado dia 4, a existência de estatísticas correspondentes às esperadas para o bosão de Higgs. A confirmação de duas fontes independentes é extremamente importante para o funcionamento do CERN uma vez que dá uma maior segurança às conclusões que se tirarem. Já em 2011 se obtiveram dados promissores no LHC e antes disso no já defunto Tevatron, um outro poderoso acelerador de partículas. Contudo a escala das atuais experiências do CERN e da recolha de dados associada tornam a descoberta muito mais promissora.

A obtenção destas descobertas neste momento é de extrema importância para o centro, não apenas devido ao facto de que qualquer descoberta feita é sempre bom sinal, mas também porque se irá dar uma descativação total das grandes maquinarias científicas, a começar no início de 2013, para uma ampla atualização do equipamento. Isto irá levar o LHC a novos níveis de energia, o que possibilitará experiências ainda mais aprofundadas.

Conclusões

Ainda assim, se a partícula encontrada é ou não o bosão de Higgs é uma questão que irá demorar anos a responder. Inclusive, não existem certezas se é aquela responsável pela existência de massa neste universo, ou apenas uma com características similares às esperadas para ela.

Um dos problemas de se estudarem estas partículas subatómicas é que elas não duram muito tempo após a fragmentação do protão. Dissolvem-se em enésimas frações de segundo, o que obriga a recolha de dados a ser feita rapidamente e por equipamento incrivelmente sensível. Por outro lado, estes dados não se traduzem em imagens, ou algo facilmente palpável, devido às escalas de tamanho e tempo que estão em jogo. Ao invés, toda a recolha e estudo de dados é feita através de análises estatísticas dos graus de energia captados.

Resta agora ver o que irão estas investigações dizer, e se, de facto, se encontrou a partícula que mantêm as coisas juntas. Mais ainda, resta ver quanto está ainda por descobrir e quanto conheceremos no nosso tempo.

NOTA: o autor gostaria de agradecer a João Pedro Ramos do CERN pela ajuda e observações.

 

Para saber mais sobre este tema visite os seguintes sites:

http://public.web.cern.ch/public/

http://www.higgs-boson.org/

 

Crónica de Francisco Duarte
O Antropólogo Curioso