Entrevista a Vicente, um Zombie Diferente – Amílcar Monteiro

Vicente Wellington é um zombie mas não como qualquer outro. Ele tem um MBA em Comportamento Organizacional pela Harvard Business School e, antes de se tornar num morto-vivo, era um empresário de sucesso no ramos das exportações. Gosta de ler, viajar, jogar xadrez e tem um enorme sentido de humor. Recentemente, a revista Living Dead classificou-o como o zombie com o Q.I. mais elevado de todos os tempos. Falámos com ele sobre a sua experiência e sobre as cerradas críticas que tece ao mundo zombie.

O Vicente tem 38 anos mas é zombie há já algum tempo. Pode contar-nos como se deu o seu processo de transformação?

A minha história é semelhante à de muitos outros. Há cerca de seis anos atrás, estava a jogar squash com um cliente, sofri um enfarte do miocárido e faleci. Passados alguns meses, surpreendentemente, acordei numa caixa, saí dela e apercebi-me que estava num cemitério e que a caixa afinal era a minha campa. Entretanto vi a minha pele em estado de decomposição e foi aí que compreendi naquilo em que me tinha transformado. Na altura, recordo-me de pensar: “Ainda bem que não fui cremado!” (risos).

E como foi essa experiência no início?

Não vou mentir: foi complicado. Dei por mim a pertencer a um mundo que desconhecia por completo. Lembro-me que houve períodos em que me fui um pouco abaixo, especialmente pelas alterações que fui forçado a fazer. Por exemplo, eu antes disto tudo era vegan e, de um momento para o outro, vi-me obrigado a consumir carne para sobreviver. Não foi fácil. Mas com o tempo fui-me adaptando ao meu novo estilo de vida e agora já me consigo rir de tudo isto. Olhe, sabe qual é a minha dança preferida desde que me tornei zombie?

Não. Qual é?

Kizombie! (risos)

Já deu para perceber que o Vicente não é o típico zombie. O que é que faz de si diferente?

O que me difere dos meus colegas – e sem lhes querer retirar valor – é o facto de eu ser um zombie inteligente e eles não. São criaturas extremamente estúpidas.

Porque os considera criaturas estúpidas?

Bem, a questão central é que, normalmente, os mortos-vivos encontram-se tão obcecados em conseguir um pouco de carne humana, que se esquecem de pensar cuidadosamente qual a melhor forma de a obter. Sucumbem aos seus instintos primários e isso torna-se contraproducente para a actividade predatória que praticam.

Nesse sentido, que falhas aponta o Vicente aos outros zombies?

Primeiro, os típicos mortos-vivos são criaturas que devoram todas as pessoas que encontram imediatamente. Nunca guardam nada para uma altura de necessidade. E depois, naturalmente, andam todos ressabiados atrás de carne. São cigarras, quando deveriam ser formigas. E depois há a questão das doenças. Hoje em dia, nós não sabemos que doenças as pessoas têm. É preciso ter um certo cuidado que os meus colegas não têm. Eles comem qualquer um, sem se preocuparem com isso. É um nojo.

E o Vicente não?

Claro que não. Eu antes de consumir um ser humano, informo-me sobre ele. Se tem as vacinas em dia, investigo as últimas análises, doenças que possa ter. E isto é importante porque, por exemplo, há uns tempos, sem saber, ingeri um humano com a Doença de Parkinson e fiquei uma semana sem sequer conseguir meter a chave na fechadura.

Sei também que tem críticas ao método de caça dos seus colegas.

Ao método não, à ausência de método. Quer dizer, os mortos-vivos normais não planeiam, estão tão obcecados pela carne, que tentam apanhar as pessoas através de uma abordagem directa, o que os torna previsíveis. Depois, como é natural, são mortos com facilidade. É ridículo e uma vergonha para a classe. Até porque hoje em dia há bastantes formas simples de apanhar humanos.

Como por exemplo?

Através de sites de engate ou das redes sociais. Basta criar um evento para uma manifestação a favor de uma causa qualquer – sei lá, “Salvem a Cobra Zarolha” – combinar o dia e depois é só ir lá que fico logo com mantimentos para mais de um mês.

E que mais métodos tem?

Olhe, um bom método são entrevistas deste tipo.

Entrevistas deste tipo? Mas como? ■

 

R.I.P. ENTREVISTADOR 1981 – 2012


Crónica de Amílcar Monteiro
O Idiota da Aldeia
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