Estranhas conversas, durante uma «Marcha fúnebre»… – Ricardo Espada

Um funeral, obrigatoriamente, tem de ser algo triste e desolador. A dor de perder um ente querido, assim o dita. São momentos de uma infelicidade extrema, que leva a um fluxo natural de lágrimas. Existem pessoas com um «estômago» mais consistente, conseguindo evitar as lágrimas, mas existem outras pessoas, mais fracas, que necessitam de desabafar a sua dor, usando as lágrimas para expulsar do corpo, essa mesma dor ou mágoa. Mas, interrogo-me sobre uma situação especifica, que acontece – por norma – durante um funeral… Ou melhor, durante o percurso da «Marcha fúnebre»… É algo que acontece, e que não deveria acontecer. Algo que desrespeita o conceito da «Marcha fúnebre». Algo que, eu não poderia deixar passar em vão…

No, meu entender, fazer parte de uma «Marcha fúnebre», é sinal de uma enorme tristeza interior que é partilhada por todas as pessoas que fazem parte dela. E, ninguém ensina qual o comportamento a adoptar, quando se está numa marcha fúnebre, certo? Pois claro que não… Mas, de uma forma totalmente instintiva, todas as pessoas percorrem aquele percurso negro e sombrio, completamente cabisbaixas, respeitando a dor da família do falecido. Bom… Nem todas as pessoas adoptam essa atitude… E, caros leitores do +opinião, era aqui que eu queria chegar… (E, neste momento, a primeira interrogação que saltita na vossa mente, será: Raios o parta! A volta enorme que ele foi dar, para chegar aqui…) Existem algumas pessoas, que aproveitam o facto de se encontrarem ali, naquela «Marcha fúnebre», lenta, triste e sombria, para colocar a conversa em dia! E, em voz alta! Algo do género:

1º Exemplo

– «Pois é… Cá estamos…»
– «Pois, diz que sim…»
– «Eh pá, já viste a capa da Playboy deste mês? Diz que está um espectáculo!»
– «Eh pá, quando sair daqui vou já comprar! Achas que isto ainda demora muito?»
– «Não, pá! Diz que é só enterrar, e está feito!»
– «Boa…»

2º Exemplo

– «Pois é… Sorte marreca, a do António, hein?»
– «Coitado! Era tão novo…»
– «É verdade… Já viste este tempo, pá? Ora chove, ora faz sol!»
– «Pois, é! Uma pessoa nem sabe o que vestir, já!»
– «E hoje, isto está com cara de que vai chover… Será que isto ainda vai demorar muito?»
– «Não, pá! Diz que é só enterrar, e está feito!»
– «Boa…»

3º Exemplo

– «Olha, coitado… Já lá está…»
– «É, verdade. Este já não sofre mais…»
– «Mas… Não podiam ter escolhido um cemitério mais perto? Estou farto de andar, pá!»
– «Só existe este cemitério…
– «Eu, sei… Só espero que, quando lá chegarmos, não demore muito…»
– «Não, pá! Diz que é só enterrar, e está feito!»
– «Boa…»

4º Exemplo

– «Enfim… Este já era!»
– «Pois… É a vida… E estava cheio de problemas, o coitado…»
– «Eh pá! Nem me fales em problemas… Tenho o meu carro avariado há meses!»
– «Então?»
– «Um problema electrónico. O mecânico não consegue descobrir o que é, ao certo…»
– «Eish… Que chatice… Problemas electrónicos, são terríveis…»
– «Pois, problemas… Isto deve durar uma eternidade, ao enterrar o caixão, não?»
– «Não, pá! Diz que é só enterrar, e está feito!»
– «Boa…»

Eu quero, desde já, deixar um aviso a todas as pessoas que decidam fazer parte da minha «Marcha Fúnebre», quando eu partir para o outro mundo: EU SOU MENINO PARA, MESMO MUITO MUITO FALECIDO, LEVANTAR-ME DO CAIXÃO E DAR-VOS DUAS VALENTES LAMBADAS! Por isso, nada de faltas de respeito para com o futuro falecido — Daqui a 100 anos, mais coisa, menos coisa… — Ricardo Espada…

Obrigado, e bom dia…


RicardoEspadaLogoCrónica de Ricardo Espada
Graças a Dois
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