Eu limpo, tu sujas, ele desarruma…

Agora que cheguei aos 40 anos de idade, começo a descobrir coisas em mim até então desconhecidas — como, por exemplo, a metamorfose que sofri. Sinto que, tal como Kafka relata em “A Metamorfose”, deitei-me perfeitamente normal e, no dia seguinte, acordei diferente e a sentir-me especial — mas, graças a Deus, não dei por mim com uma pesada carapaça de barata às costas. É certo e sabido que o ser humano, à medida que vai crescendo e envelhecendo, vai alterando certos e determinados comportamentos sociais e rotineiros. Algo que parece acentuar-se quando se atinge a “Ternura dos 40”, visto que a velha e sábia afirmação que a partir dos 40 é que se começa a sentir verdadeiramente o peso da idade tem tendência a confirmar-se.

E tenho que reconhecer e, mais do que isso, tenho de aceitar que, de facto, depois dos 40 me tornei numa espécie de “fada do lar”. Uma fada do lar com um ar taciturno que, sempre que vê desarrumação ou sujidade, se transforma num ser desprezível e capaz de insultar pessoas — pessoas essas que, na verdade, foram as causadores directas de tal desarrumação e sujidade. Sempre que vejo algo sujo cá por casa, tendo a ter uma e única reacção: apressar-me a limpar. E, de seguida, desato num monólogo (digo monólogo porque já ninguém tem paciência para aturar um idoso de 40 anos super resmungão cá por casa) em que me queixo da falta de noção e da incapacidade das pessoas de simplesmente limparem aquilo que sujam. Até o próprio gato adquiriu o hábito (de forma inteligente, tenho de reconhecer) de desaparecer de perto de mim quando principio um monólogo sobre limpeza e sujidade cá por casa, visto que ele sabe perfeitamente que cada pêlo que deixar cair, pode originar numa ida infernal a uma sessão de escovadela insana que ele tanto odeia e faz por evitar.

Antes dos 40 anos, eu era mais relaxado no que à sujidade e desarrumação em casa diz respeito, mas agora sinto que se trata de algo que não consigo evitar. Que não consigo suportar sequer. Obviamente que deverei estar doente ou a sofrer de uma espécie de TOC qualquer que me deixa doido sempre que vejo objectos fora do lugar ou simplesmente algo que se encontre sujo cá por casa. Ou, então, algum espírito de empregada de limpeza decidiu incorporar em mim e tornou-me numa doida varrida que, lá está, prefere passar o dia a varrer do que a desfrutar da família. A doença está a afectar-me de tal forma que bati o meu recorde pessoal, ao ter aspirado a casa, limpado o pó e lavado o chão 2 vezes em 3 dias.

Se calhar, isto dos 40 anos de idade não tem lá muita piada. Dá para regressar aos 39? Não? Então, está bem…