Fase de rescaldo – Mara Tomé

“Autista”

Por ser autista
Não deixa de ser criança.
É um problema 
de gente grande
e de gente pequena.
Comunica pouco,
gosta de formas redondinhas,
alguns balançam 
nas cadeirinhas
e fazem lindos trabalhos
nas suas escolinhas.
Por vezes fazem birras
e ficam agitados
mas tudo acaba
com muitos cuidados.
E com muita paciência, 
tudo corre bem
com muito carinho
e amor também!
2º C – EB1 Lousã
 
“”oh mãe, os autistas não têm escrito a palavra “autista”, na testa!”, diz uma menina de 7 anos, em conversa com a mãe em casa acerca da exposição de trabalhos/desenhos feitos por crianças com autismo.
 

A mensagem passou e foi apreendida, de forma saudável e enriquecedora. Apesar de muito trabalhoso, o feedback obtido foi fantástico e, tal como já me tinha apercebido antes (lembremo-nos de como se iniciaram as sessões sobre reciclagem ou higiene oral, por exemplo), se quero evitar o “havias de ser meu filho…” e o síndroma da coitadinhice, não é a falar com as pessoas adultas, crescidas e (teoricamente) já formadas porque palavras leva-as o vento mas sim com a geração anterior. Como crianças que são, são puras e (ainda) inocentes na sua perspetiva de ver o mundo. Veem a diferença de forma aceitável e questionam o porquê sem discriminar. É esta a diferença saudável de ver as coisas. Que graça teria o mundo se as árvores fossem todas verdes? Que diversidade humana haveria se fossemos todos morenos e baixos ou altos e ruivos ou ou? Que seria da humanidade se fossemos feitos num molde? A diferença faz parte deste mundo. Podemos aceitá-la ou ignorá-la mas não devemos nunca discriminá-la.

Uma família que receba um diagnóstico de uma qualquer deficiência, de um qualquer problema, relacionado com um dos seus familiares próximos, principalmente de um filho (ou dois, como é o nosso caso), independentemente do seu grau de gravidade, passa sempre por um ciclo de sentimentos que não se anulam mas que parecem renovar-se e interligar-se e dar a vez ao outro mas sem nunca desaparecer. Neste ciclo de depressão-culpabilidade-vergonha-isolamento-pânico-raiva-negociação-esperança-aceitação-choque, consegui eliminar definitivamente alguns itens mas outros prendem-me a ele de forma constante. Há dias assim: bons e negros. Não interessa a desgraça alheia, eu sei bem que há casos infinitamente piores e que o autismo das piolhas até é bem leve em comparação com outros mas, não deixa de ser algo que as limita(rá) sem o devido acompanhamento. E não deixa de ser um duro golpe  para o que os pais desejavam ardentemente para os seus filhos.

Estas ações de sensibilização têm tido o seu quê de terapêutico e de aprendizagem com os outros. Ao falar do autismo, deixo de o temer tanto como temia antes, consigo ver nitidamente todo o percurso evolutivo das piolhas desde o momento em que eu reforço a ideia de que havia algo de estranho com elas, aprendo com as partilhas/questões colocadas pelas minhas audiências todas diferentes: oh Mara, somos todos diferentes, especiais e iguais em muitas coisas; todos acabamos por aprender mesmo que seja de maneira diferente; eu tenho um primo que tem autismo e ele joga melhor do que eu na playstation e até fica mais feliz que eu quando ganha; oh Mara, como é que não se sente dor nas birras?; um estranho pode ajudar os pais de uma criança autista no meio de uma birra?; etc etc etc

Neste momento, consigo vislumbrar um ponto de serenidade no meio deste mar de revolta que ainda me assola. Afinal, posso ficar mais tranquila em relação ao futuro das piolhas – outros pais podem sentir o mesmo – porque haverá sempre um esforço de integração de parte a parte, de compreensão e de aceitação. Uma criança com autismo é uma criança com autismo mas, acima de tudo, não deixa de ser uma criança.

 

Crónica de Mara Tomé
T2 para 4