Um beijo ferrado ou uma ferradela beijada? – Laura Paiva

“Ele nem vai reparar que vim de mini-saia! Raios… se calhar exegerei! Bem, agora é tarde. Afinal tudo não vai passar de uma brincadeira. Aposto que ainda nos vamos rir à brava com esta cena. E eu é que vou ficar a fazer uma figura triste.” – pensava Marta enquanto se dirigia para o carro de Bernardo.

Bernardo, sentado no seu carro, aguardava no parque de estacionamento como haviam combinado. “Bem, não percebo o que estou aqui a fazer mas, prometi e vou ter de cumprir. Ela chega, faço o que tenho a fazer e vamos mas é almoçar!”

Tudo havia começado uns dias antes – numa viagem de carro com um grupo de amigos comuns, Bernardo reparara que Marta o olhava de uma forma estranha, muito estranha mesmo! Indo ele ao volante não foi difícil lançar, de vez em quando, um olhar para Marta que seguia no banco de trás e lá estava ela a olhá-lo de uma forma que nunca havia feito, nos muitos anos que já levavam de amizade.
Mas naquele dia, Bernardo foi surpreendido pelo olhar de  Marta mas não conseguiu, por muito que tivesse tentado, perceber o seu significado – “Mas que raio se passa aqui? Porquê que ela me olha daquela forma?”

Por seu lado, Marta manteve-se em silêncio durante quase toda a viagem, dedicando-se apenas e contemplar Bernardo. Algo nele havia despertado nela a curiosidade e o desejo, fazendo-a descontrolar-se…
“Bolas, tenho de me controlar! Que se passa comigo para me deixar impressionar assim por um homem?  Pára lá com isso que este não é para o teu dente”
Tão depressa desviava o olhar como voltava a dar consigo a olhar fixamente para a face e para os olhos de Bernardo. A determinada altura da viagem, rendeu-se e deixou de se preocupar em disfarçar.

Na semana que se seguiu à viagem, foi um corrupio de mensagens e de telefonemas – Bernardo tentava perceber o que tinha acontecido e Marta tentava esquivar-se a explicações.
Palavra puxa palavra, SMS puxa SMS e o teor das conversas entra num tom erótico, pré-sexual!
Nessa semana, Marta sentia-se nas nuvens parecendo uma adolescente mesmo adolescente – pouco comia, estava sempre na lua, revia vezes sem conta as conversas com Bernardo e guardava, religiosamente, todas as mensagens trocadas…

Sem que se recordem bem como aconteceu, Bernardo faz uma promessa a Marta – dar-lhe-ia uma ferradela numa perna.
Para dar seguimento ao cumprir deste compromisso de honra, marcam um almoço.

E é assim que ambos se encontram no parque de estacionamento, num dia chuvoso com alguns rasgos de sol radiante.
Uma vez que Marta é a última a chegar,  estaciona e dirige-se para o carro de Bernardo. Abre a porta e senta-se no lugar do passageiro e logo a sua gabardine se abre deixando à vista as suas pernas nuas.

No espaço de segundos, Bernardo enfrenta uma situação inédita para si mas não resiste. Inclina-se e beija longamente a perna de Marta.
“Isto não me está a acontecer… onde estou eu com a cabeça? E porque é que ela não me trava, não me afasta?” –  Bernardo não foi travado nem afastado e isso deixou-o perdido.
Marta sentiu por momentos que estava a sonhar… Fora apanhada de surpresa por aquele beijo. O calor daquela boca na sua perna fizeram-na duvidar de si própria e da sua resistência à investida daquele homem que despertara nela uma vontade incontrolável de o amar!

Certo é que terminado o beijo, foram almoçar ainda um pouco alheados da realidade – por razões óbvias nenhum dos dois recorda, hoje, o que constou no menu desse almoço!

O que ambos sabem é que estão juntos e felizes há muitos anos!

Nos seus arrufos, Marta costuma dizer “Tivesses ferrado como prometeste” ao que Bernardo responde “Mas eu dei-te uma ferradela beijada ou um beijo ferrado e ainda bem que o fiz”.

 

Crónica de Laura Paiva
O mundo por estes olhos