MechWarrior: Living Legends – Francisco Duarte

Eu não tenho ídolos. Eu admiro trabalho, dedicação e competência.”

Ayrton Senna

 

Certamente que esta foi uma semana que nos apresentou uma série de assuntos diversos e interessantes, e certamente que eu irei abordá-los nas semanas que virão, uma vez que alguns não nos irão abandonar tão cedo. Contudo, esta semana ocorreu algo que me toca num nível mais pessoal.

Em termos simples, a produção do fantástico mod para “Crysis Wars”, o várias vezes nomeado “MechWarrior: Living Legends” (MW:LL), foi encerrada. Certamente que para aqueles de vocês que não são fãs do universo BattleTech, ou que não estão dentro da cultura da ficção-científica ou dos videojogos que esta notícia terá pouco impacto. Mas para mim é algo que me toca bastante, uma vez que foi graças a estas pessoas que eu comecei, realmente, a dar os primeiros passos como escritor freelancer. Ver o projecto terminado por decisões empresariais (lá chegarei eventualmente) é algo ao mesmo tempo deprimente e irritante.

Mas contextualizemos, em primeiro lugar.


BattleTech

Criado no já distante ano de 1984 por Jordan Weiseman e L. Ross Babcock III, “BattleTech” é um jogo de tabuleiro que usa miniaturas para representar unidades militares do ficcional Século XXXI no qual o universo é baseado. Para aqueles que não percebem muito do assunto, digamos que é como um xadrez com esteroides em que cada peça tem toda uma série de habilidades e capacidades que determinam o seu papel no jogo. As peças mais importantes e poderosas são os BattleMechs, imponentes robôs de guerra que dominam estes campos de batalha futuristas.

Uma coisa que desde logo separou este universo de outros similares era o quão detalhada e aprofundada era a sua história, contendo cinco casas nobres, senhoras de impérios estrelares que se digladiavam pelo controlo dos parcos planetas que a Humanidade já havia colonizado. A este espaço humano em guerra constante deu-se o nome de Esfera Interna. Segundo os autores, isto era de certo modo inspirado pela fragmentação da Europa após a queda do Império Romano e mais tarde surgiriam ainda os Clãs, sociedades militaristas, desta feita inspiradas nas hordas mongóis que varreram o mundo medieval. Foi este setting detalhado e cheio de vida e personalidade que eventualmente haveria de conquistar os fãs. Até hoje já foram publicadas mais de cem novelas e centenas de contos baseados nos conflitos da Esfera Interna escritos por diversos autores de ficção-científica reconhecidos. Foi também através das novelas que entrei em contacto e, ultimamente, me apaixonei pelo setting.

Mas para lá do jogo de tabuleiro também foram desenvolvidos diversos jogos noutras plataformas, inclusive videojogos. A série “MechWarrior”, em que o jogador assumia o papel de um piloto de BattleMechs, foi bastante bem-sucedida até terminar em 2002 com o “MechWarrior 4: Mercenaries”. Durante anos não houve nenhuma notícia acerca de possíveis sequelas, e foi esse vazio que levou à criação do MW:LL.

O Mod

Já falei anteriormente da cultura dos Mods, referente aos projectos amadores que modificam videojogos conhecidos para criar novas experiências, desenvolvidos gratuitamente e sem orçamento por fãs e para fãs. Vendo que aparentemente não voltaria a haver nenhum videojogo do MechWarrior nos tempos próximos, um grupo de fãs de BattleTech sediado na Alemanha, mas contendo membros de todo o mundo, criou a equipa Wandering Samurai em 2007 e elegeu o videojogo Crysis para desenvolver esta iniciativa. O jogo por eles criado recebeu o nome de “MechWarrior: Living Legends” e a primeira versão foi disponibilizada em Dezembro de 2009.

Tendo o cuidado de não pisar os calcanhares de ninguém, a equipa conseguiu o apoio dos donos do franchise na altura, assim como também foram uma das pouquíssimas equipas a nível mundial a receber o Crysis Software Deevelopment Kit (SDK), por parte da Crytech, a empresa que criara o jogo que estavam a modificar. Este desenvolvimento continuaria durante os anos seguintes.

Este Mod distinguia-se de todas as outras tentativas de trazer o universo BattleTech par o PC por ser um jogo de armas combinadas. Os jogadores não controlavam apenas BattleMechs, mas também carros de combate, caças, helicópteros e infantaria, numa multiplicidade de modos de explorar os mapas e de criar estratégias em equipa. Por diversas vezes venceu o prémio de Mod do ano da Internet Mod Database e ajudou a ressuscitar um franchise que, para todos os efeitos estava moribundo.

Impressionado com o seu trabalho, eu enviei um e-mail à equipa em Novembro de 2011, perguntando se poderia desenvolver uma história baseada no jogo deles. A resposta foi mais entusiástica do que eu alguma vez teria esperado, e desde então tenho-os acompanhado nestes últimos derradeiros meses de trabalho, produzindo uma peça de ficção militar da qual estou especialmente orgulhoso.


“MechWarrior: Online”

Este aumento de popularidade do universo BattleTech trazido pelo MW:LL e outros projetos similares fez um grupo de investidores acreditar que ainda havia dinheiro a ser ganho com o franchise. O Piranha Game Studios (PGI) foi chamado para criar um jogo que pudesse ser vendido ao grande público e cujo desenvolvimento foi revelado em meados de 2012. Apesar de isto ser o sonho dos fãs, um videojogo oficial após tantos anos, era evidente que isto representaria más notícias para as equipas de Modding. Já no passado vários projectos prometedores haviam sido obrigados a fechar portas pro ordens oficiais (coisa que ainda não foi feita pela Valve, curiosamente, que, inclusive, criou um suporte para Modding na sua bem-sucedida loja virutal Steam).

O inevitável aconteceu. Apesar de a equipa ter conseguido implorar por mais uns meses para finalizarem alguns trabalhos já em curso, o MW:LL teria de cessar desenvolvimento em início de 2013. E isso assim sucedeu. O último download para o jogo saiu hoje, e continua a ser a mais divertida e completa experiência de BattleTech já criado. O jogo da PGI, e digo isto sem malícia e com total honestidade, não é nem de perto tão completo (envolve apenas BattleMechs) e, incrivelmente, consegue ter mais bugs e mais problemas de funcionamento (o que é triste vindo de um jogo em que é preciso investir para se chegar a algum lado).

É o fim de uma era, e toda a equipa está triste e frustrada, evidentemente.

Da minha parte, fico feliz pela oportunidade que me foi oferecida e por todas as pessoas que conheci ao longo destes meses. A história do MW:LL que estou a desenvolver ainda não está completa, mas eu não estou coberto pela carta de desistência, por isso irei continuar a relembrar o esforço desta boa gente em prol de um universo fantástico que tanto amam (ou amavam, em alguns casos).

Obrigado pessoal, see you around.

Crónica de Francisco Duarte
O Antropólogo Curioso