Não Há Discriminação de Homossexuais em Portugal – Carla Vieira

Há pouco vi nas notícias que houve uma manifestação pelos direitos do grupo LGBT em Braga no Sábado passado. Disseram que era acerca dos direitos humanos (e com razão, porque não é a orientação sexual que nos impede de pertencermos à raça humana) e pelo que me pareceu, focada no aspecto da adopção.

Pessoas que foram entrevistadas disseram que nós cá em Portugal somos tolerantes, não discriminamos os homossexuais e os transgéneros e que por isso a manifestação não tinha muita “razão de ser”.

Hãn?

Eu não sou homossexual. Também não sou transgénero, embora já me tenham confundido e já tenham achado que eu sou rapaz. Não sou, mas ando lá perto. Deficiências genéticas postas de lado, nunca me senti particularmente discriminada, felizmente. Posso andar de mão dada com o meu namorado sem que pessoas nos olhem de lado, posso-me casar com ele se assim o desejar, podemos ter filhos, adoptar – ser felizes – sem que ninguém se sinta ofendidinho da silva. Somos uns felizardos. Os heterossexuais são uns felizardos e não aceito que me venham cá escrever nos comentários algo diferente porque na verdade nós somos uns felizardos do caraças por sermos atraídos pelo sexo oposto. Supostamente os homossexuais também, pelo menos aqui em Portugal, certo? Ninguém se incomoda com eles, certo?

“Mas… Mas, mas, mas” digo eu enquanto abano a cabeça tristemente. Aqui a Carla vai-vos contar uma história, portanto sentem-se e ouçam.

No Domingo fui passear com o meu namorado. Como o tempo anda estúpido e eu sou uma chata, o meu namorado levou-me ao Plaza, que costuma ser um sítio descansadinho e onde podemos estar à vontade, sentados num canto a falar, a brincar, a dar mimo um ao outro. E foi isso que fizemos… Durante dez minutos, a seguir aos quais um segurança veio falar connosco e disse-nos as seguintes palavras:

“Vão ter de parar porque estão a incomodar uma senhora.”

Ao que eu fiquei com uma cara de parva completa a olhar para a direita e para a esquerda a tentar perceber se era alguém que estava ao nosso lado ou alguém que se queria sentar e não podia. Mas não. Era uma velha do outro lado do centro comercial.

Vou repetir: uma velha, do outro lado do Plaza, sentada lá ao fundo do lobby (e quem já foi ao Plaza deve certamente saber que aquilo é enorme e não faltam cadeiras onde se sentarem) a fazer as palavras-cruzadas ou lá o que era no colo (onde portanto só conseguia ver o caderno e os seus próprios joelhos, e por isso não nos via a não ser que colasse a vista em nós à pervertida), sentiu-se incomodada.

Coitadinha da florzinha de estufa. Coitada, a sério, da mulher seca e gasta, que necessitou de chamar o segurança porque um par de namorados andava aos beijos na outra ponta do centro comercial. Mas coitada mesmo, porque obviamente duas pessoas a serem felizes turvaram-lhe a concentração de tal forma que realmente a coisa mais sensata a fazer é levar um segurança a dizer “lamento, mas não podem ter demonstrações de afecto em público, a senhora pode sentir a necessidade súbita de agarrar as pérolas com o susto e a nossa maior preocupação não é a vossa felicidade, é a velhota acabar as palavras-cruzadas, portanto parem lá com isso”.

E eu lamento que nem ser heterossexual me salve a mim de ter de evitar mostrar ao meu namorado que gosto dele quando estamos fora de casa, porque realmente a minha felicidade não pode interferir na existência púdica dos outros. Não há discriminação, minha cambada de ignóbeis que vão falar à televisão? Não há o caralho.

Um resto de boa semana, e não falem daquilo que não sabem.

Crónica de Carla Vieira
Foco de Lente