O Apocalipse Lusitano – Francisco Duarte

Se algo poder correr mal, irá correr mal.

A Lei de Murphy

Esta semana trago-vos uma crónica um pouco diferente do habitual. Isto porque aconteceu que durante uma conversa com o meu pai, nós começámos a ponderar sobre o  quão más poderiam ficar as coisas no futuro próximo se o nosso país seguir o curso que tem actualmente. Inclusive, ponderámos sobre quão importante pode ser o futuro deste país para o do mundo em geral. Fiquei com a sincera opinião que as conclusões a que chegámos, algumas das quais já mantenho há algum tempo, seriam interessantes de partilhar com vocês, caros leitores, nem que seja como exercício intelectual. Vale sempre a pena indicar que este cenário que irei de seguida pintar não é suportado por pesquisas que eu tenha feito, mas representa, sim, uma visão realista-pessimista do que pode vir a ser o mundo de amanhã.

Colapso económico

O Orçamento de Estado, na sua actual forma e se for aprovado, representa o pior que pode acontecer a Portugal nas circunstâncias em que nos encontramos. Com milhares de negócios a fechar, e com os níveis de pobreza em queda livre, qualquer corte nos orçamentos familiares, seja por decréscimo dos salários ou por aumento de impostos, torna-se, mesmo em termos conceptuais, insustentável. O caso é que é esse o caminho que o governo quer seguir. Existem duas principais formas de isto terminar: ou o governo cai e entra um governo de salvação nacional com uma nova visão das coisas (renegociar a dívida e pedir mais tempo para permitir uma recuperação da economia nacional) ou então as coisas seguem como estão, o OE entra em vigor, e teremos uma extorsão do povo português que levará inevitavelmente à ruína do país. Isto por um motivo simples: vivemos num sistema capitalista, em que a manutenção do mesmo está dependente da circulação do dinheiro. Se o dinheiro não circula e é retido aqui ou ali, então o sistema começa a desfazer-se. Comparemos isto a uma chama dentro de um contentor: o que acontece se removermos o combustível do sistema?

Ora, o que vai acontecer com o rumo que estamos a seguir é que, eventualmente, a grande maioria do povo português vai ficar sem dinheiro, nem para viver nem para ajudar a pagar a dívida nacional. Isto é o cenário mais plausível, sobretudo se tivermos em conta que as metas das políticas seguidas até aqui falharam redondamente pelo simples motivo de que o empobrecimento nacional torna as receitas cada vez mais pequenas. Quando chegarmos a este ponto, Portugal não terá, dentro de si, moeda suficiente para compensar a dívida e o país tornar-se-á insolvente. É o colapso económico absoluto. O que isto significa é que Portugal se tornou num peso morto que estará a empurrar o valor do Euro para o fundo do poço. Infelizmente para a União Europeia, isto não é um cenário aceitável. O que resta à União são dois cenários igualmente maus: ou deixa as coisas como estão e lida com elas, mantendo o afundamento do Euro, ou expulsa Portugal, o que obrigará o nosso país a re-introduzir um Escudo totalmente desvalorizado, e acelera a morte da moeda única e da EU em si.

Balcanização do Ocidente

Em qualquer dos casos, quando chegarmos a este ponto iremos ver um empobrecimento generalizado das massas europeias, com as culpas a serem apontadas para os dirigentes, europeus e nacionais, e para as minorias. A violência será generalizada, como normalmente ocorre quando a fome aperta e as saídas não se vêem. Será um fenómeno de colapso generalizado da Europa, as economias a desfazerem-se umas atrás das outras. A paranóia aumentará à medida que líderes surgirem um pouco por todo o lado, a culparem as instituições que os antecederam, e os países que hipoteticamente causaram aquela situação. A verdade não importará, apenas o desejo das pessoas de se agarrarem a qualquer fonte de esperança será importante para as mesmas.

Do outro lado do oceano, os Estados Unidos, solidamente dependentes do bem-estar da economia europeia, e, em geral, grandes causadores do início da crise, irão sofrer com o desmantelamento dos seus grandes aliados económicos. A economia americana desmoronar-se-á em resultado disso, e, lá como aqui, as massas empobrecidas, famintas, e mais movidas pela emoção que pela razão, irão virar-se contra os governantes e umas contra as outras. Veja-se que os Estados Unidos são o país com maior número de armas em mãos privadas. A segunda guerra civil poderá revelar-se inevitável.

Com os Estados Unidos a desfazerem-se, a crise alastrará finalmente ao resto do mundo, como uma praga altamente contagiosa. Evidentemente que tudo isto irá dar origem a coisas novas, eventualmente, mas o mundo como o que conhecemos mudará para sempre.

A Era da Guerra

No Oriente, as potências em ascensão será directamente afectadas pelo caos no Ocidente, como não poderia deixar de ser. A China e a Índia têm grandes problemas internos, desde questões económicas, até questões populacionais. (Um facto raras vezes trazido à baila é o grande número de homens em relação às mulheres nesses países. Veja-se que a frustração sexual é uma questão importante para o desenvolvimento social e populações chamadas primitivas podem apresentar comportamentos que consideraríamos libertinos para rodear essa questão. O mesmo não sucede nestas sociedades extremamente estratificadas.)

Tomadas de posição cada vez mais hostis para assumir controlo de recursos naturais e humanos teriam o potencial de levar, finalmente, ao confronto directo entre as potências orientais, num conflito a uma escala imensa. Enquanto isto sucede, o mundo muçulmano, arrastado pela grande quebra nas exportações devido ao colapso dos seus maiores clientes (o Ocidente), entraria em convulsão. Líderes no médio oriente tentariam unir as massas dentro do território nacional ao declarar guerras santas contra os vizinhos mais odiados. Havia violência sectária, e Israel certamente que seria invadido de todos os lados. O uso de armas de destruição em massa tornar-se-ia inevitável em todos estes campos de batalha futuros, o que tornaria o destino da raça humana ainda mais negro.

O que fazer deste pesadelo?

Evidentemente que isto é apenas uma análise das possibilidades inerentes ao desenvolvimento da crise económica europeia como existe. Creio que não é totalmente descabido admitir que o colapso económico lusitano poder-se-á revelar uma peça importante do início desta era de terror e devastação que parece estar mesmo à porta. A questão é, mesmo que o que foi aqui falado seja apenas o pior resultado possível, existe toda uma gama de tons de cinzento plausíveis, uns mais escuros que os outros. Enquanto cidadãos deste país temos que ponderar o que queremos para o seu futuro, para o nosso e para o dos nossos descendentes. Assumir acção política contra a injustiça social e as estratégias políticas suicidas é certamente um modo. Não quero com isto dizer que as posições políticas de Direita ou Esquerda estão essencialmente erradas. Deixo isso a cada um, mas o rumo que seguimos agora apenas poderá dar azo à catástrofe.

Contrariamente o que alguns querem que pensemos, democracia não é apenas votar e esperar que tudo corra pelo melhor. Não, é agir politicamente, discutir politica com outras pessoas, conhecer opiniões, intervir, escrever, falar. É ir á rua mostrar o descontentamento e pedir que se assumam estratégias mais responsáveis. É pedir um novo governo se chegar a esse ponto. Pois se nos esquecermos que temos voz, então a democracia morre e as catástrofes tornam-se inevitáveis.


Crónica de Francisco Duarte
O Antropólogo Curioso