O Caminho da Alvei Profluvium – Amílcar Monteiro

Imagine a pessoa mais poderosa e respeitada de que se lembra, alguém com uma atitude dura, que não se deixa pisar por ninguém, um verdadeiro vencedor. Já imaginou? Óptimo. Então agora pense que, à semelhança do próprio leitor, essa pessoa já teve diarreia (Alvei Profluvium, em latim).

Exactamente. Essa figura arquetípica de autoridade, dureza e implacabilidade já experienciou o terror que as cólicas e suores frios anunciam e já vivenciou a abrupta intempérie intestinal que coloca a latrina no topo da lista de prioridades. A verdade é esta: seja por que motivo tenha sido, já todas pessoas, nalgum momento da vida, padeceram de um aumento da frequência de evacuações associada à presença de fezes amolecidas com consistência pastosa e/ou líquida nas evacuações. Sim, leitor, eu sei que esta é uma ideia bastante romântica, não é por isso que é menos real. Porque, se pensarmos bem, rapidamente chegamos à conclusão que a Gastrenterocolite Aguda é um dos principais factores unificadores da raça humana. Pessoa de diferentes raças, ideologias, religiões e mesmo contextos históricos todas já a vivenciaram: Martin Luther King e Mussolini; o businessman e o xamã tribal; a modelo da Victoria’s Secret e o estivador de Setúbal.

Na minha opinião, esta condição, nociva e incómoda à primeira vista, poderá mesmo ter a finalidade de ser o veículo para o entendimento entre todos os seres humanos. O leitor que passou pela experiência de ter diarreia ao mesmo tempo que outra pessoa, devido a uma intoxicação alimentar, num local onde apenas havia uma casa-de-banho – aquilo a que eu chamo “E-Coligação” – sabe bem aquilo do que estou a falar. É uma experiência de partilha singular, do mais espiritual possível, que faz com que nos despojemos de tudo o que é acessório nesta vida, que coloca as pessoas que a vivenciam num estado único de consciência partilhada. É a derradeira abertura daquilo a que o Hinduísmo denomina de “Terceiro Olho”.

Como pode ver, leitor, a diarreia é uma experiência transcendente pela qual todos passamos mas que, infelizmente, tendemos a esquecer. Assim, peço ao leitor que se junte a mim na demanda para trazer paz ao mundo, demanda essa que pode apenas ser cumprida através da gastro-religião. Nesta primeira fase, peço que me ajude a reunir os líderes Israelitas e Palestinianos num mesmo edifício que tenha apenas uma sanita disponível e a colocar laxante nas suas bebidas. Depois disso, garanto-lhe que surgirá, entre ambas as partes, uma cumplicidade tão elevada que o conflito não tardará a resolver-se.