O Espectro do Inverno Numa Vila à Beira Mar – Júlio Silva

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O espectro do Inverno numa Vila à beira mar, é mesmo terrível, o que torna as condições de sobrevivência muito mais difíceis de se suportar.

Uma destas Vilas é a Torreira, esta freguesia que pertence ao Concelho da Murtosa, ganhou o título de Vila devido ao seu crescimento em betão nas últimas duas décadas. É uma Vila que tem uma riqueza natural talvez única no território Português, uma vez que é banhada a nascente pela Ria de Aveiro, e a poente por um extenso areal banhado pelo Oceano Atlântico, que se completam e dão fama à praia da Torreira. Como cartaz turístico esta Vila tem os famosos Barcos Moliceiros que navegam na Ria de Aveiro. Infelizmente estão a acabar a cada ano que passa, sobre os olhares pasma centos dos nossos governantes, e quando me refiro aos nossos governantes, refiro-me aos Concelhios e aos do governo central. Neste caso, a Murtosa, há anos atrás foi considerada a pátria do Moliceiro, por ser o Concelho abrangido pela Ria de Aveiro com o maior nº de barcos Moliceiros, embora para ser sincero quem deveria de obter este título era a freguesia vizinha de Pardilhó pertencente ao Concelho de Estarreja, devido a ser a freguesia que mais estaleiros navais tiveram, e tem ainda nos dias de hoje. Até porque na Murtosa, e á 50 anos atrás eu só me recordo de haver um único estaleiro a trabalhar em barcos Moliceiros, que era o estaleiro do Ti Artur da Ribeira do Gago, na freguesia do Bunheiro. Mas voltando ao cartaz turístico da Vila da Torreira, além dos barcos Moliceiros, tem ainda a pesca da arte da Xávega, outrora trabalhada à força dos braços de pescadores auxiliados por potentes bois de raça Marinhão. Hoje em dia os bois foram extintos, os pescadores deixaram de puxar as redes á braçada, e optaram por puxar estas redes utilizadas na arte de pesca da Xávega, por tratores barulhentos e nada pitorescos. No entanto, ainda mesmo assim quando o barco sai para o mar ou este regressa a terra, é sempre um regalo para os olhos ver a azáfama dos pescadores e ver a sardinha e o carapau a saltar, dentro do saco da rede. Tudo isto tem dado inspiração a pintores de tela, como a fotógrafos amadores e profissionais. Mas também esta beleza, e quantidade de imagens estão prestes a acabar. Sim porque, um deputado, ou secretário de Ministro do nosso distinto governo terá decido, que a sardinha apanhada por estes pescadores, que se dedicam a arte da Xávega não tinha o comprimento necessário. Terão que apanhar sardinha, com mais 2 centímetros de comprimento a mais do que já estava estabelecido. E porquê, perguntarão alguns leitores. Ora porque Portugal, é um sério cumpridor de regras e leis impostas pela CEE, Bruxelas manda Portugal cumpre, por exemplo Bruxelas mandou Portugal terminar com a pesca do bacalhau. Portugal assim fez, entregou as suas cotas de pesca deste famoso produto a quem quis ficar com elas, resultado os nossos arrastões estão a apodrecer no cais da Gafanha da Nazaré. Outros foram vendidos, ou transformados para outro género de pesca. No caso da sardinha, alguém bem sentadinho no seu gabinete pensou, com os seus botões vou mandar uma lei para Portugal, para lixar a vida a uma centena de pescadores que de norte a sul de Portugal, se dedicam à pesca artesanal chamada arte da Xávega. Se o pensou, mais depressa realizou, é que enviou mesmo, e Portugal, submisso cumpriu logo ordenando que todo o pescado de uma maré ao chegar ao areal da praia da Torreira, fosse todo devolvido ao mar, porque a maioria não tinha o comprimento normal da tabela que a partir daquele momento essa tabela deveria de ter mais 2 cm do que o habitual.

Enquanto isso, os Espanhóis andavam ao largo da praia da Torreira, com traineiras a arrastar e a meterem para o porão tudo aquilo que vinha à rede, e sem se preocupar com tabelas ou seja lá com o que for. Perante isto tudo, é mais um corte no cartaz turístico da Vila da Torreira, o que nos sobra é as Festas do São Paio da Torreira, na primeira semana de Setembro, e que serve ao mesmo tempo para fechar a época balnear de cada ano.


Nesta última semana, a população da Torreira triplica, tanto a nível de visitantes por 8 ou 24 horas, como de turistas por uma semana, e é a alegria diária dos mais jovens que se fundem durante o dia, nas águas meias frias e no quente sol mas ventoso da praia, ou dando uns mergulhos, e após o segundo dia a dormir nas quentes areias do basto areal da praia a curarem a ressaca que apanharam na noite anterior. E é estes mesmos jovens, que fazem a festa noturna andando de bar em bar a consumir álcool e mais álcool, até caírem alguns em estado de coma alcoólico. Os bares da praia, chamam por eles colocando os DJ à disputa uns com os outros, a verem aqueles que tem mais potência em decibéis de som, para desespero daqueles velhos do Restelo, que se apropriaram da praia da Torreira e fizeram desta praia uma casa de repouso onde se deitam às 21 horas e levantam-se às 6 ou 7 horas da manhã. Para poderem ter este paraíso de descanso na Vila da Torreira, conseguiram com que fechassem as duas discotecas que existiam nesta praia, com a concordância dos governantes Concelhios. O que por causa do favorecimento, de uns poucos Velhos do Restelo transformaram esta Vila Turística, e com imenso movimento tanto de Inverno como de Verão, num marasmo de uma pasmaceira transformada numa Vila para dormir. Hoje temos uma Vila com uma riqueza fora do normal em questão de natureza viva e real mas muito mal aproveitada, e não vejo maneira de mudar este sistema nem quem consiga fazer voltar a Torreira aos tempos de 80.

No ano de 2012, temos uma Vila turística empobrecida, com dois meses de época Balnear, que são as três ultimas semanas de Julho até ao final da 1ª semana de Setembro. De resto temos uma Vila fantasma, que morreu no tempo e se tornou num dormitório para uma meia centena de reformados. Reformados estes, que outrora foram trabalhadores ou filhos de trabalhadores da Ria de Aveiro. Esgravataram na apanha do moliço, para poderem sustentar as suas famílias, mas que hoje por obra do destino ou da ajuda de DEUS, são donos de algumas pequenas fortunas, fossem elas herdadas, desviadas, roubadas ou ganhas com ou sem suor nos USA, isto pouco importa. O que importa, é estes senhores se considerarem donos de um pedaço de terra, que Deus abençoou com uma beleza extraordinária, e que eles com a conveniência dos nossos governantes, fizeram dela uma Vila de Repouso. Assim e desta maneira, fizeram um cerco aos empresários da restauração, não os deixando aplicar as suas ideias de negócio turístico e de divertimento noturno. Hoje quem visitar a Vila da Torreira vê a beleza do Mar revolto, com as suas grandes vagas de mar a desfazer-se na praia, de resto vê algumas gaivotas, e vê de hora a hora um vulto de uma pessoa lá no fundo da rua, e atravessa a fugir como quem foge da Polícia depois de matar alguém.

É esta a pasmaceira da Vila da Torreira, que parece que foi visitada com o espectro da morte, uma morte anunciada pelo menos no que toca ao turismo.

 

Crónica de Júlio Silva
A opinião de Júlio Silva