O Facebook é um diário com um cadeado manhoso – Miguel Bessa Soares

Quem viveu nos anos 80 e 90 não escapou à moda dos diários. Normalmente esses diários eram comprados nas lojas dos 300, os chineses já existiam mas ainda não tinham chegado cá, e as lojas dos 300 tinham um sem número de variedades de produtos que conseguiam agradar à toda a gente. A premissa era quase sempre cumprida 300$00 por artigo. Sim canalha era possível encher uma loja de tralha onde cada artigo custava cerca de 1,50€.

Nos fomos habituados a escrever os nossos segredos mais íntimos num caderno, que era fechado com um cadeado muito manhoso, que abria e fechava com uma chave ainda mais manhosa. Se perdêssemos a chave não era grave, uma chave de parafusos abria o cadeado ou uns dedos com mais força e habilidade tinham o mesmo efeito.

Ou seja as nossas palavras eram escritas para que toda a gente com acesso à nossa casa, ao nosso quarto tivesse acesso a elas. Não faltou muito para na nossa adolescência termos percebido que os nossos pais não eram génios da lâmpada, e não adivinharam simplesmente que estávamos loucamente apaixonados pela Luísa a primeira da turma a ter seios entumecidos. Como é possível, eu nunca disse isto a ninguém, nem ao meu melhor amigo, espera lá tu queres ver que aquele cadeado não vale nada? Queres ver que os velhos descobriram que é possível abrir aquilo com uma chave de fendas?

Este diário abriu a necessidade de escarrapachar à vista de toda a gente a nossa vida, sentido a falsa segurança – tem um cadeado. Assim é o Facebook. Vou comer pimba foto dos Rojões à Minhota, ui que boazona na praia pimba carregamento no facebook, vou mostrar a quem? A toda a gente é verdade deixa-me bloquear a esposa nesta publicação.

E temos a nossa falsa ilusão de protecção. Ao fim de uma semana a aturar a esposa por causa dos comentários da boazona pensamos: Fosga-se tu queres ver que alguém lhe foi contar? Quem abriu o cadeado?

Portanto é fácil de entender como está a minha vida no momento. Se para a semana a esposa me der autorização para voltar a mexer no computador cá estarei com mais uma crónica.

 

Crónica de Miguel Bessa Soares
Mundo ao Contrário