O Idiota da Aldeia – Contra as doenças marchar, marchar

De todas as campanhas pseudo-solidárias que proliferam por esse mundo fora, nenhuma me provoca mais alergia no cérebro do que as marchas que pretendem ajudar a combater uma doença. Tomemos como exemplo as marchas contra o cancro. Pois bem, para que é que serve marchar contra o cancro?

Por favor, não me venham dizer que serve para chamar a atenção para esta doença, porque isso não faz sentido nenhum. Hoje em dia, toda a gente tem cancro ou conhece alguém com cancro. Acham que é mesmo preciso chamar a atenção para uma doença que toda a gente tem? Chamar a atenção para o cancro é o mesmo que fazem aquelas pessoas que, quando estão 40 graus, nos dizem: “já viste o calor que está?”.

E para os que dizem que “as marchas servem para angariar dinheiro para a causa”, eu pergunto: quer isso dizer que para doarmos dinheiro para uma causa precisamos de ter uma contrapartida? Que de livre e espontânea vontade não damos nada, mas se pudermos dar um passeio pela cidade, no qual nos oferecem uma t-shirt e, com sorte, ainda aparecemos na televisão, então aí já damos dinheiro? Não sei porquê, mas isso não me parece uma atitude muito solidária.

E depois vamos lá ver uma coisa: o que estas almas extremamente bondosas fazem quando se juntam nestas campanhas não é propriamente marchar. Nunca estão sincronizados como soldados nem dançam e cantam como nas marchas populares. O que estas pessoas fazem é andar. Elas andam contra o cancro.

Ora o que é que andar do ponto A para o ponto B ajuda na luta contra o cancro?  Será que o cancro vai abandonar o corpo dos doentes porque um grupo de pessoas está a andar? Ou será que, numa das grandes farmacêuticas que controlam o negócio das doenças, se vai passar isto:

– Doutor, Doutor, nem imagina! Estão centenas de pessoas a marchar contra o cancro!

– A sério?! Mas onde?

– No meio da rua! Estão a andar pela cidade!  E, como se não bastasse, têm todas uma t-shirt da mesma   cor!!!

T-shirts da mesma cor?! Elá! Essa gente não está para mesmo brincadeiras! Assim sendo, não nos         deixam alternativas: temos mesmo de tornar pública a cura do cancro.

Lamento se estou a desiludir alguém, mas marchar contra o cancro – perdão – andar contra o cancro não serve para nada. Passa uma imagem social de altruísmo e pode até fazer-vos sentir bem, mas não adianta porra nenhuma. Se querem ajudar, investiguem e questionem as farmacêuticas, apoiem pessoalmente quem sofre das doenças, ou então forcem aqueles vossos amigos cientistas que estão a trabalhar em coisas como uma nova pasta-de-dentes com sabor a kiwi, a fazerem algo de relevante para a sociedade.

Não se ponham é a organizar eventos da treta para passar a imagem que são muito bonzinhos e que estão a ajudar a erradicar uma doença. Porque se andar é uma forma de intervenção, então eu também vou começar a fazer actividades banais para combater doenças. Vou começar a respirar contra a Trissomia 21, a tomar banho contra a Doença de Alzheimer e a fornicar contra a SIDA. A partir de agora, sempre que estiver a fornicar uma gaja, quando me estiver a vir, vou gritar “SIDA!!!”. Aposto que isso lhe vai chamar mais a atenção do que qualquer marcha.

Crónica de Amílcar Monteiro
O Idiota da Aldeia