Não Gosto de Funerais – O Idiota da Aldeia

De entre os inúmeros fenómenos estranhos que proliferam por esse mundo fora, existe um que me faz especial confusão: pessoas que dizem “não gosto nada de ir a funerais”. Para mim, é incompreensível e inconcebível que alguém não goste de frequentar funerais. Porque eu cá A-D-O-R-O.

Se há coisa que me coloca logo um sorriso nos lábios é o telefone tocar e, do outro lado, dizerem-me que um familiar, um amigo ou um conhecido acabou de falecer. Porque isso quer dizer que vai haver um funeral, o que para mim é sinónimo de diversão garantida. E não são apenas os balões em forma de animal, as serpentinas e a música reggaeton que me fazem nutrir um carinho especial por este tipo de eventos. Eu deleito-me com tudo o que envolve um bom funeral:

  • Gosto de alterar todos os planos laborais e lúdicos que tinha feito para poder comparecer no funeral e fico sempre bem-disposto com a aventura que é achar o cemitério;
  • Adoro vestir-me de preto, pois não só é muito chique, como me faz mais magro. E depois, sejamos honestos: nada grita “festa” como trajarmos de preto da cabeça aos pés, não é verdade?
  • Sou grande apreciador do trabalho de carpintaria e envernização do caixão. Estou particularmente atento ao design dos interiores, chegando mesmo a classificá-lo numa escala de 0 a 20 e a compará-lo com caixões que vi noutros funerais;
  • Fascina-me toda a arte do enterro. É maravilhoso ver alguns homens, com toda a delicadeza do mundo, a descerem gradualmente o caixão para um buraco e a atirarem-lhe cuidadosamente terra para cima. Embora pessoalmente aprecie mais a largada de cinzas, pois regozijo-me ao observar toda a sensibilidade que caracteriza entornar uma urna com restos mortais de uma pessoa sem sequer ter em consideração factores como o vento;
  • Sou mega-fã das anedotas que sucedem o enterro, especialmente quando são contadas por um mecânico-soldador reformado que eu não conheço de lado nenhum;
  • Mas o que me dá mais prazer é sentir aquele aperto no peito e nó na garganta por ter perdido alguém de quem gostava, enquanto vejo os seus familiares a chorar e ser incapaz de os reconfortar. Aliás, familiares de um defunto a carpir o seu sofrimento num funeral é algo que imagino, frequentemente, quando me masturbo.

Para todos os cepos que fazem questão de expressar o óbvio através da afirmação oca e irrelevante “não gosto nada de ir a funerais”, gostava de vos pedir, educadamente, que deixassem de ser bestas idiotas. Não sei se já alguma vez pensaram nisto (ou noutra coisa qualquer) mas – e isto pode ser um choque para vocês – ninguém retira prazer de ir a um funeral. É uma actividade que, por definição, não é gratificante. O objectivo de ir a um funeral é não só participar num ritual que ajuda a lidar com a perda mas, acima de tudo, estar presencialmente a dar o apoio possível aos familiares do defunto, num dos momentos mais difíceis das suas vidas. Ou seja, tem objectivos ligeiramente distintos de quando vamos ao cinema, ao teatro ou a um concerto. Embora, imagino eu, um funeral seja uma experiência bastante mais agradável que um concerto do Michel Teló.

Dizer que não se gosta de ir a funerais é a mesma coisa que dizer que não se aprecia ter a pele arrancada lentamente com um raspador de cenouras, enquanto nos derramam sumo de limão por cima. Embora se isso acontecesse a quem diz esta frase talvez a humanidade se tornasse num local melhor frequentado.

Crónica de Amílcar Monteiro
O Idiota da Aldeia