O Idiota da Aldeia – “Tempos Difíceis”

Na televisão, na rádio e nos jornais. Em casa, na rua, no trabalho e no meu clube de swing. Em todo o lado tenho ouvido, ultimamente, as pessoas a comentarem que se aproximam tempos difíceis. “Agarra-te bem ao trabalho que há falta de emprego. E poupa tudo quanto puderes porque como isto anda, na tua altura, nem reforma vais ter”, aconselham os mais vividos.


Apesar de lógico, este raciocínio revolta-me, porque nos torna reféns de uma série de condições que nos fazem infelizes. Por os tempos futuros se adivinharem como complicados, não podemos arriscar. Temos, por exemplo, que ficar presos a profissões que nos deixam infelizes apenas e só para conseguirmos dinheiro, o qual não podemos gastar pois temos que o guardar, uma vez que os tempos que se seguem aos “tempos difíceis” serão ainda mais difíceis. Sim, porque aparentemente o futuro é sempre mais complicado. Traz problemas mais complexos e dificuldades quase inultrapassáveis. Eu imagino que, mesmo numa altura em que o mundo esteja pejado de catástrofes naturais, em que metade da população mundial já tenha sido dizimada, em que o próprio Belzebu se passeie na superfície terrestre ao lado dos Cavaleiros do Apocalipse instalando um cenário de fogo, agonia e dor, existirá alguém que nos aconselha a poupar pois “os próximos tempos serão complicados”.

É verdade que este pensamento é racional, mas eu duvido dele por uma simples razão: nunca ouvi, em toda a minha existência, uma única pessoa a informar que “se aproximam tempos fáceis”. Nunca. Por uma vez, gostava que alguém me dissesse que no futuro existirão empregos a pontapé, com salários milionários para todos e reformas chorudas que incluem um pacote de passeios semanais pelo espaço. Adoraria que um velhote, de longas barbas brancas, desgastado de uma vida inteira de trabalho árduo, se sentasse ao pé de mim e dissesse: “Tu é que tens sorte, meu menino. Os próximos anos vão ser espectaculares. Sabes o que te sugiro? Abandona o teu emprego, faz aquilo que te dá prazer e gasta dinheiro nas coisas que bem entenderes.”

Como é que se pode afirmar, com toda a certeza, que os tempos vindouros serão difíceis? Quem sabe se daqui a dois anos, umeconomista que está no meio de um jantar com uma estagiária – com a qual pretende fornicar – não tem subitamente um insight ao olhar para o decote provocador da sua companhia, e descobre uma forma simples de resolver a economia mundial? Quem me garante que daqui a seis meses, um conjunto de políticos que se encontra numa orgia homossexual, não conclui que a origem de muitos dos problemas é a corrupção e que é preciso combatê-la, começando por eles próprios? Se assim for, então teremos andado bastante tempo a ser infelizes na tentativa de salvaguardar o nosso futuro, quando na verdade ele era bastante mais risonho do que prevíamos, fazendo com que toda essa infelicidade fosse em vão.

E quem é que pode negar a possibilidade de amanhã, por volta das nove e onze da manhã, poder ser atropelado e, naquele último momento de consciência, aperceber-se que a sua existência foi inútil e que não cumpriu nenhum sonho, apenas e só porque achou melhor continuar num trabalho em que é infeliz porque “se aproximam tempos difíceis”?  Pensando bem, eu acho que posso negar essa hipótese. É que os meus intestinos são muito certos e, a essa hora, eu costumo estar na latrina a evacuar a ceia que consumi no dia anterior. A não ser que tenha ido jantar a um restaurante chinês. E se for esse o caso, aí tenho a certeza absoluta que os próximos tempos vão mesmo ser difíceis.