O jeitoso do talho – Sandra Castro

Esta historia foi confidenciada pela minha amiga Joana e, com a autorização dela, resolvi escrever sobre ela, porque como todas as historias, com finais  felizes ou não, têm sempre algo que nos ensina.

Há cerca de um mês a minha amiga Joana revelou-me que sentia umas vibrações pelo gajo do talho.

Vibrações Joana? Mas que porra de merda é essa? Em tom satírico ainda lhe disse: Mas são vibrações nas partes intimas ou são no coração? É que se for a primeira tudo bem, daqui a uns dias já passou, agora se for a segunda estás lixada, pá!

– Pois amiga, não sei bem explicar o que sinto, só sei que já não sinto isto há muito tempo! Estou casada com o João há 15 anos…bem…já nada é como dantes, tu entendes. O sexo é aborrecido, as conversas ainda mais, já não há nada que me agarre a esta relação.

– Eu pensava que estavas a brincar, amiga! Mas…como…quando…porquê? Bem, mas tu e o corta-febras andam juntos?

Corta-febras?!!! Ok…essa deixou-me a pensar…ui, vou tirar este pensamento louco da cabeça, aguarda só um bocadinho. Acreditas que não se passou nada? Só fantasias na minha cabeça, nos meus sonhos eróticos de curta-metragem.

Então isso passa, cara amiga, quantas fantasias já não tive, eu e todas as mulheres deste  mundo, quantos homens já não passaram pela  nossa  cama imaginativa. Não fiques aflita, essa merda passa.

– Se fosse só uma fantasia, eu não estava assim, porque de fantasias já vivo eu há muito tempo, nem o Channing Tatum me escapou. Mas isto é diferente…prontos, confesso amiga, deixei-lhe o numero de telemóvel…

– Era isto que eu temia, porra! Depois do numero de telemóvel é um instantinho para ires parar aos braços dele e não só.

Foi num impulso, Sandra. Pensei, seja o que Deus quiser, e deixei-lhe o numero.

– Lá estão vocês a meter Deus aonde não é chamado! Aonde é o talho? Quero conhecer  o gajo que te deixou nessa ansiedade!

(Já no talho)

– Boa tarde, queria um quilo de costeletas de porco.

– É aquele, Sandra. (Sussurrou-me a Joana).

Oh eh eh…percebi logo o porquê do entusiasmo da minha amiga. No meio de cinco ou seis bezerros vestido de bata e chapéu brancos, lá estava ele, bata suja e mãos sujas de cortar as coxas dos frangos, olhos verdes, ligeiramente musculado, tatuagem árabe no braço (que até podia significar vai à merda, mas nós não sabíamos), e uma linguagem própria do tipo de negocio em que trabalhava “pegue lá mor”, “querida, olhe as suas febras”, “é só estas coxas, coração?”.

Agarrei nas costeletas e saímos dali para fora que o ambiente estava a ficar, como hei-de descrever, apurado é o termo certo.

Olhei para a Joana e percebi o que ela sentia. Os homens de fardados sempre foram um problema para nós. Militares, policias, talhantes, marinheiros… confesso até que preferimos um talhante todo sujo, do que um homem cheirosinho,vestido de fato e gravata. São taras de mulheres, enfim!

– Ele já te mandou alguma sms?

– Já. Chama-se Sérgio, tem 30 anos e…é casado! Já está acostumado a estas andanças, de comer as clientes que lhe deixam o numero. Vá, lixa-me a cabeça, amiga, eu mereço!

– Casado ainda por cima! Sabes o que eu penso deste tipo de situações, nem vale a pena te massacrar com o meu discurso sobre o amor e fidelidade.

Não, Sandra, massacra-me! Nós marcamos um encontro para esta noite, no motel Havai, eu inventei uma desculpa ao João que ia sair contigo, diz-me amiga. Massacra-me a cabeça até não poderes mais, para eu desistir desta ideia doida!

– Esquece esse gajo! Continua com ele nas tuas fantasias, fantasiar é positivo para o nosso cérebro e estimula as hormonas. Não magoas ninguém e principalmente não te magoas a ti própria! Depois de teres sexo com ele, não sabes o que acontece a seguir. Podes te apaixonar, ele também. Pode correr mal e ser só nesta noite, mas depois como vais encarar o João? O sexo pode ser fantástico  extenuante, sentires o que já não consegues sentir com o João e depois? Vais olhar-lhe nos olhos e saberes que o traíste! Como fica a tua consciência? Tu amas o João, estão a passar por um período mais negro na relação, mas isso é perfeitamente normal e, com algum empenho dos dois, essa fase má passará. Mas se o fizeres, vais ter sempre essa noite na tua memória. Quando o João disser que te ama, tu vais te lembrar dessa noite. Quando vocês forem ao cinema, tu vais te lembrar dessa noite. Quando estiverem entre amigos e falarem em temas como fidelidade, encontros,etc, tu vais te lembrar dessa noite. Quando estiveres a fazer amor com o João, tu vais te lembrar dessa noite e, é nesses momentos que te vais arrepender da traição.

( A Joana começa a chorar)

– Ok Sandra, eu sei…ai é tão difícil gerir uma relação! O casamento é uma das coisas mais belas da vida, duas pessoas se amarem e partilharem a vida é maravilhoso, mas também é penoso e muito difícil, caramba! E quando acontecem estas tentações, amiga, temos de ter cabeça e ponto final! Rumo para a frente! Ufa…obrigada amiga por ter desabafado! Anda, pago-te um café com natas ali na Sincelo.

Querem saber o que aconteceu nessa noite, caros leitores? Pois bem…não se passou nada. É que, eu não tenho nenhuma amiga chamada Joana, a única personagem desta historia que realmente existe é o jeitoso do talho.

Crónica de Sandra Castro
Ashram Portuense