O Meteorito, o Papa e o Coelho – Nuno Araújo

Entre escrever acerca de um meteorito que caiu no nosso planeta e causou aflição e destruição, ou redigir uma crónica acerca do Papa Bento XVI que vai voltar a ser “só” o Sr. Ratzinger, ou ainda escrever acerca do “Flash Mob” cantado em que o parlamento voltou a ouvir a “Grândola” a anunciar a luta política como a derradeira arma de marketing para rumar ao vazio de ideias de pseudo-movimentos de massas…enfim, optei por escrever acerca de todos estes temas. E mais alguns.

O Meteorito

Na passada Sexta-feira caiu um Meteorito de cerca de 10 toneladas na zona dos Urais russos, a 80 quilómetros de Tcheliabinsk. Seguia a 30 quilómetros de velocidade por segundo, quando entrou na atmosfera terrestre. Ao cair, provocou uma explosão audível a dezenas de quilómetros de distância da zona de impacto, uma cratera já confirmada pelo exército russo como tendo 6 metros de diâmetro.

Ora, Dmitri Rogozin, vice-primeiro-ministro russo e responsável pela pasta do sector militar, defendeu a necessidade da criação de um sistema de defesa contra “objectos extraterrestres” pelos maiores países do mundo, pois segundo ele “hoje, nem a Rússia, nem os Estados Unidos têm possibilidade de abater meteoritos”. A questão de Rogozin é muito pertinente: e se este incidente tivesse ocorrido não na Rússia, mas nos EUA? Será que os EUA teriam destruido o asteróide?

Decerto que nos circuitos mais fechados da política e diplomacia nos lembraremos do “Project A119”, que era uma conspiração de altas patentes norte-americanas, que até recrutaram o então jovem académico Carl Sagan por forma a elaborar os cálculos científicos necessários e requeridos, para assim imporem respeito aos soviéticos, em pleno período da guerra fria. Impôr respeito como? Tendo a ideia e os meios para detonar várias bombas atómicas na Lua.

Os cientistas vão referindo da impossibilidade de conhecer com antecedência uma queda de um meteorito. Porém, os EUA detêm uma linha de defesa anti-aérea que é, simplesmente, a melhor do mundo, e ainda a queriam copiar e colar em alguns países outrora pertencentes ao Pacto de Varsóvia, na Europa. Para mim, a USA Army teria disparado rockets, mísseis de longo alcance e evacuado zonas residenciais, já para não falar de outras estratégias militares existentes para vários efeitos, só por forma a evitar um cataclismo, do género que podia ter ocorrido hoje na Rússia, se estivéssemos a falar de um meteorito não com 10 mas sim 1000 toneladas. Pelo menos é obrigação daquele que é o país com o maior e mais sofisticado aparelho militar do mundo inteiro.

O Papa abdica do trono

O Papa Bento XVI renunciou ao seu ministério de Roma. A surpreendente afirmação foi proferida em latim, numa conferência de imprensa realizada no Vaticano, na passada Segunda-feira, e o Papa mencionou “falta de saúde” para desempenhar o cargo como deve ser.

Para olhos mais atentos ao enclave romano, o Papa já tinha abordado a hipótese de um papa se retirar do cargo, desde que houvessem motivos fortes para tal suceder. O Papa Bento XVI usava pacemaker, e já tem 85 anos, idade mais do que suficiente para estar mais descansado.

O Papa luta há muitos anos, desde o papado de João Paulo II, contra casos de pedofilia dentro da sua Igreja Católica Apostólica Romana. Desde a morte do Papa polaco, o Papa compatriota de Merkel teve excomungar padres dos seus ofícios, teve de autorizar pedidos de desculpa, teve também de indemnizar monetariamente vítimas de abusos por padres católicos. Bento XVI lidou com a fase mais obscura e mais difícil da Igreja Católica, desde a fase da Inquisição.

Bento XVI debruçava-se com casos infindáveis de crises financeiras e dinheiro desaparecido, para o que até teve de nomear um seu compatriota para lidar com as questões financeiras do Vaticano.

O Papa Bento XVI também teve o “desgosto” de o seu “fiel e leal” mordomo ter desviado documentos ultra-secretos, no caso que deu pelo nome de “Vatileaks”. Muita informação secreta saiu da esfera da Santa Sé, e assim o Papa também assente em assumir a sua quota parte nas responsabilidades por tal desvio de documentação.

Um homem lúcido, decerto; um homem que voltará a ser homem; um homem que pretende exercer poder dentro do Vaticano, mas sem o peso do cargo institucional que é conferido pelo exercício do papado; um homem de brilhante intelectualidade e de parco misticismo; é assim que eu, pessoalmente, vejo Bento XVI.

Joseph Ratzinger, actual Bento XVI, talvez se tenha inspirado no exemplo do Papa Celestino V, que teve um curto pontificado de 29 de agosto a 13 de dezembro de 1294, para depois retirar-se para uma vida de eremita, ele que poderia não ter capacidade de liderança para ser Bispo de Roma. Após a sua renúncia foi eleito Bonifácio VIII.

“Grândola” no Parlamento

Quem pôde assistir ao início de mais um discurso “mastigado” e “cinzento” de Passos Coelho, decerto que se divertiu um pouco ao ver as reacções controladas do próprio primeiro-ministro, assim como dos apelos ao retomar da ordem nas galerias do hemiciclo por parte de Assunção Esteves, a presidente da Assembleia da República.

Findo o episódio caricato, porque não é todos os dias que vemos “Grândola” ser cantada na Assembleia da República, ao contrário das reacções muito bem estudadas por Passos Coelho, que pela sua serenidade na forma como enfrenta manifestações de desagrado ao governo, fazem quase que retirar qualquer potencial inscrito na mensagem da sublevação. Uma acção deste género, de “Grândola”, só funciona, de facto, se provocar uma reacção anormal ao visado, neste caso a Passos Coelho. Como tal não se verificou, não funcionou.

Apesar de esse “Flash Mob” cantado ter políticos de partidos conservadores de “esquerda”, ter cantores esquecidos pelo “povo”, ter “simples cidadãos esclarecidos” (que se escondem atrás destes movimentos para taparem a sua pertença a movimentos partidários, quiçá?)…apesar de tudo isto, não funcionou. A manifestação de 2 de Março pode até ter muita gente presente, mas este interlúdio cultural e político faz parte do passado. O presente e o futuro dizem respeito a aqueles que nem dinheiro têm para comer hoje, quanto mais para se deslocarem à Assembleia da República. Para esses, um “Flash Mob” cantado, como este foi, não passa de uma “onda flat”. Não funcionou.

O que funcionou, isso sim, foi a pergunta de Seguro a Passos Coelho, “o que está a fazer aí?” Tal como na minha crónica da semana passada, a resposta é a mesma: Passos Coelho é um primeiro-ministro que não serve para nada. Passos Coelho, vá-se embora, agora.

O Projecto Notre Europe, de Jacques Delors

O projecto Notre Europe foi pensado e impulsionado pelo ex-presidente da Comissão Europeia, Jacques Delors, socialista de gema e ministro da economia e finanças de François Miterrand nos anos 80 do século passado.

O Projecto Notre Europe é um Think Tank, um projecto de reflexão de ideias políticas e de governança, que segue premissas do programa Europe 2020, e que defende uma UE unida, de facto.

Saiu recentemente um relatório intitulado “Le Pacte de cohésion”, redigido por Marjorie Jouen, que analisa vários dados quantitativos na UE e lhes atribui um significado e uma lógica (o texto está disponível em http://www.notre-europe.eu/1-Accueil.htm).

Segundo esse relatório, é necessário criar as condições para um “modelo de desenvolvimento inteligente, verde e inclusivo”, onde as políticas de coesão são instrumentos que devem perspectivar progresso social e bem-estar, o que pode passar por processos e formas diferentes e novas de elegibilidade.

É necessário, de acordo com as conclusões desse relatório, restabelecer a ligação democrática entre a UE e os cidadãos, mostrando aquilo que os municípios, por exemplo, realizaram em obras de requalificação urbana usufruindo de verbas comunitárias.

Diminuir burocracia é também sinónimo de devolver credibilidade ao futuro político das políticas de coesão social, que passa e passará, sobretudo, por acções visíveis essencilamente no poder local.

Para além do relatório acima mencionado, deve-se dizer que o projecto do político francês também aborda e estuda temas como emprego e educação, o desemprego como tema esquecido e resultado de negligências sucessivas na acutação política europeia no sistema educativo. Na essência, estudar formas para um bom desenvolvimento urbano e rural é o propósito deste projecto, bem interessante e que pode vir a oferecer ferramentas de estudo e pensamento sobre as realidades locais europeias.

 

Crónica de Nuno Araújo
Da Ocidental Praia Lusitana