“O Orçamento do nosso descontentamento” – Nuno Araújo

Os caracóis, bichos-da-seda e periquitos passarão a pagar imposto. É verdade. O Orçamento de estado (OE) para 2013 não poupará nada nem ninguém. Bem, mais ou menos…O OE também prevê a reposição de subsídios para reformados e funcionários públicos. No entanto, essa reposição trata-se antes de um “presente envenenado”.

Esperemos que este orçamento de estado seja o último elaborado por este governo PSD-CDS. O livro de John Steinbeck, “O Inverno do Nosso Descontentamento”, que foi curiosamente o último escrito pelo prémio Nobel da literatura, serviu de inspiração para o título desta crónica.

Passos Coelho “e sus muchachos” já estão a mais neste panorama político português. Com uma proposta de orçamento de estado para 2013 (que pode ver aqui), que não mais fará do que arrasar o que ainda resta da fraca economia portuguesa, a maioria PSD-CDS apresenta assim ao país o mais grave ataque alguma vez feito à classe média portuguesa desde 25 de Abril de 1974.

Costuma-se dizer que é melhor existir orçamento de estado, do que não existir de todo…e com este orçamento, será que certos comentadores continuarão a dizer o que sempre dizem? Duvido.

Este governo prepara-se, de tal forma, para prosseguir a sua toada neoliberal, reforçando o cariz centralizador da sua linha de acção política (o que não tem nada a ver com estratégia governamental). Mas aconteceram situações dignas de registo e análise.

“Mon ami Hollande!”

António José Seguro, secretário-geral do PS, foi recebido de forma oficial no Palácio do Eliseu, em Paris, residência oficial do presidente da República de França, François Hollande. Igualmente socialista, Hollande recebeu Seguro apenas como tinha recebido os líderes das oposições líbias (em 2011, na fase de decadência de Kaddhafi) e síria. Foi uma recepção cujo protocolo copiou quase exactamente o modelo protocolar de visita de um chefe de estado.

No passado dia 4 de Outubro ocorreu o chamado encontro “5+5”, que fez com que Passos Coelho faltasse às comemorações do 5 de Outubro. Nesse encontro, participaram Hollande, o italiano Mario Monti e Rajoy. Ora, só se pode encarar esta recepção a Seguro como um claro sinal de apoio dado por Hollande ao mais forte opositor a Passos Coelho em Portugal, o socialista António José Seguro.

Hollande também mostra outras duas coisas: que não está de acordo com a austeridade excessiva em Portugal, e que igualmente não acredita no governo de Passos Coelho e Paulo Portas. Escrevi um texto chamado “Ventos franceses de mudança”, onde eu previa a vitória de Hollande na primeira volta das eleições presidenciais francesas de 21 de Abril. Aqui, neste texto, também prevejo a queda de Passos Coelho. Não há remodelação que segure a maioria PSD-CDS. Só a queda do governo serve os interesses de Portugal.

Sondagens

A sondagem publicada na passada Sexta-feira, pelo Expresso e SIC, indicam uma subida do PS nas intenções de voto. O estudo da Eurosondagem mostra claramente que o PSD é o partido que mais perde nas intenções de voto, em que o PS atinge mais de 34 pontos percentuais, face aos 30 do PSD. O CDS, esse, situa-se na casa dos 10 %, e CDU 9,5%. Registo de subida também para o Bloco de Esquerda, 7,7 %.

Esta sondagem reflecte a distância já bem vincada pela maioria da população portuguesa face ao executivo de maioria de direita. A esquerda, que vai desde o PS ao BE, roça os 60%, o que indicaria uma possível maioria parlamentar de esquerda, e isso vale o que vale, evidentemente. Contudo, a mais importante nuance do estudo prende-se, claramente, com a inversão sociológica da motivação do voto, ou seja, da direita os portugueses mostram inclinação para a esquerda, nem ano e meio volvido das últimas eleições legislativas, datadas de 5 de Junho de 2011.

Notas

União Europeia é Prémio Nobel da Paz 2012: estou inteiramente de acordo. Num contexto em que os países periféricos europeus estão em cenários de austeridade dantesca, e em que há diversos novos conflitos a eclodir, inclusivé às portas da Europa (caso turco-sírio), faz todo o sentido recordar que a paz entre Alemanha e França foi conseguida a par da construção da União Europeia. Uma e outra são, mutuamente, condições sine qua non para persistirem ainda nos dias de hoje. Não há que temer, portanto, quando se fala de liderança europeia, deve-se falar de Alemanha e França; quando se fala do futuro da União Europeia, fala-se destes dois colossos europeus. Ora, a União Europeia não conseguiu lidar bem com a questão dos Balcãs nos anos 90, mas consegue ser um agente diplomático sempre a favor de estabelecimento de acordos de paz.
Orçamento comunitário tripartido: Fala-se, um pouco pela imprensa europeia, assim como nos bastidores da “realpolitik”, da possiblidade de David Cameron vetar, de facto, a proposta para o Orçamento comunitário 2014-2020. Se essa situação se cumprir, existe uma possiblidade, ainda que remota, de se fazer orçamento para Zona Euro, outro para países fora da zona euro escandinavos e a Grã-Bretanha, e ainda outro para os países recém-chegados à UE. Este cenário parece ser improvável, mas a verdade é que não deixa de ser uma possiblidade. Espero que este cenário não passe do “reino das possiblidades”.
Visita de Angela Merkel à Grécia: Finalmente! Desde 2008, ainda nem tinha rebentado a crise da dívida, que Angela Merkel não pisava a terra de Platão, Sócrates, Hipócrates, Sofócles ou Heródoto. Esta visita é altamente simbólica; mostra que Merkel não receia ser vista lado a lado com o seu homólogo Antonis Samaras, visto como “caloteiro” pelos mercados e por grande parte da opinião pública alemã. A Grécia, diz Merkel, tem avançado a pouco e pouco. Acreditemos pois na receita merkeliana, e a Grécia já vai para o 7º ano consecutivo de recessão económica.
A nova procuradora-geral da República (PGR): Joana Marques Vidal é a PGR. Saudemos, pois, uma mulher num dos cargos mais importantes da democracia portuguesa. O poder tripartido, definia Montesquieu, fazia o equilíbrio a a vigilância mútua desses poderes numa democracia. No entanto, Joana Marques Vidal é a PGR mais política que alguma vez existiu depois do 25 de Abril, em Portugal, pois integrou corpos de direcção do Sindicato dos Magistrados (liderado por João Palma, um dos maiores opositores do anterior governo socialista).


Crónica de Nuno Araújo
Da Ocidental Praia Lusitana