O Príncipe Encantado, Clara Pinto Correia

Estava em São Sebastião à espera do metro da linha azul para Santa Apolónia, e já cheguei ao cais cansada porque vinha com dois sacos pesados. Naquelas condições, eu, que raramente me sento para não ser logo ali assaltada por uma necessidade imperiosa de fumar, fiquei inesperadamente ao lado de um pai com um filho pequenino – e esse filho era, obviamente, naquele preciso momento, o grande amor da sua vida. Pelo sotaque, pareciam ter vindo originalmente de Cabo Verde. O pai tinha uns óculos requintados e um sorriso de pura felicidade esticado por toda a cara. O menino era ligeiramente mais escuro, era tão pequenino que, sentado, ficava com os pés muito acima do chão – e, acima de tudo, tinha os olhos mais bonitos do mundo. Enormes, cintilantes, incrivelmente pestanudos. E devia saber isso muito bem, porque, assim que eu lhe disse que era lindo, não se atrapalhou nem um bocadinho e sorriu para o pai com aquele sorriso de “esta já cá canta” que só os homens sabem trocar entre si. Era mesmo encantador.
O pai, orgulhoso da minha capitulação quase imediata à doçura do seu rapaz, ia-lhe fazendo as perguntas que lhe realçassem a inteligência. Como te chamas? Quantos anos tens? Como se chama a Mãe? E o Pai? E onde é que nós vivemos? E onde é que vais para a escola? O menino respondia àquilo tudo com um sorriso adorável na boca pequenina e fresquinha, e nessas alturas brilhavam-lhe os dentes com pedras preciosas. Era mesmo uma coisa digna de se ver. Eu não podia deixar de lhe lançar uma provocaçãozinha.
Ouve lá, com essa carinha laroca deves ter muitas namoradas, é ou não é? Diz lá a verdade, vá.
O menino encostou-se todo ao pai, todo ele sorrisos, e disse que não, não, não.
O pai feliz achou que estava na altura de me revelar o grande sonho daquele filho abençoado.
A senhora quer ver a melhor dele? Quer mesmo ver?
Claro que quero.
O pai sentou o filho lindo ao colo e perguntou-lhe:
Quem é que tu vais encontrar no metro?
O menino nem hesitou, sempre com a cara enfiada no blusão do pai. E disse, outra vez iluminado de brilho e de paixão:
A princesa.
Espera aí. Tu vais encontrar uma princesa no metro? Então tu não sabes que as princesas andam aí de Jaguar, e isso?
Não. A princesa está lá dentro. Eu vou encontrar a princesa no metro. Vou. Vou. E pronto.
O pai sorriu para mim, a descodificar o mistério.
Sabe que ele acredita mesmo que vai encontrar a sua princesa no metro? Sempre que entramos, vai logo correr pela carruagem a ver se ela por acaso está ali connosco. Acredita mesmo que essa princesa existe. E ela vai ser o Príncipe Encantado que a salva do dragão, e depois casam-se e têm muito filhos. Mas olhe que é só metro. No comboio, no autocarro, na carreira, encosta-se e dorme. Ele sabe perfeitamente que a sua princesa está no metro.
Eu sorri outra vez para o menino lindo que um dia ia encontrar a princesa no metro.
Ouve lá, isto está difícil, encontrar a princesa no metro, não é? Então olha, eu também estou no metro. Não queres que eu seja a tua princesa? Eu gostava.
O menino varreu-me de alto a baixo com os olhos com um ar curiosamente irritado, e nem esperou por mais um fôlego para me por no meu devido sítio.
Não. Não quero. A minha princesa não é nenhuma velha como tu.

Crónica de Clara Pinto Correia
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