O último sobrevivente 2/2 – Bruno Neves

Esta semana tenho para vos apresentar algo de totalmente diferente do habitual. Nesta edição apresentarei o desfecho de um pequeno conto, escrito por mim. Está nos antípodas do que normalmente esta crónica apresenta mas, a vida é feita de mudanças e originalidade e criatividade são sempre bem-vindas.  É o “último sobrevivente” em exclusivo para vocês! Aconselho-vos vivamente a leitura da primeira parte do conto, presente neste mesmo blogue. Desfrutem!

A partir do momento em que vira a sua família e a restante aldeia ser dizimada percebeu que só lhe restava uma hipótese. Encontrar um abrigo capaz de resistir aos sucessivos ataques e assim que possível fugir para bem longe.

Mais uma vez a sorte sorrira-lhe. Ao fugir escolheu a esquerda. Estava ferido e incapaz de percorrer grandes distâncias. Escolheu o lado certo, os monstros seguiram na direcção contrária e conseguiu esconder-se por detrás de uma rocha.

Deixara de tentar perceber o que tinha acontecido e passou a avaliar as consequências. Tinha sobrevivido, mas estava ferido. Talvez a curto prazo isso não fosse um problema mas, a longo prazo seria um grande obstáculo. Mal conseguia andar. Tinha dores insuportáveis. Mas de que servia sobreviver? A sua aldeia fora dizimada por uns monstros impiedosos que nem pelas crianças tiveram misericórdia. Finalmente percebeu que não podia ter feito nada para impedir este desfecho. Não ter salvo a sua família era a única coisa que o atormentaria para sempre. Falhara enquanto amigo, enquanto marido e enquanto pai. Era um fracassado e assim morreria.

Decidiu que esperaria pela morte no cimo da gigantesca rocha que avistava no horizonte. As dores eram excruciantes, mas aquele era o seu último desejo. Para lá se encaminhou e depois de muito tentar acabou por conseguir trepar aquela enorme e poderosa rocha. Dali via tudo num raio de quilómetros. Enquanto no horizonte o sol descia rumo ao seu merecido descanso, ele sentiu as forças saírem-lhe do corpo. Olhou em redor na esperança de conseguir pedir ajuda. Foi então que teve uma visão do inferno: os monstros tinham voltado! Voltaram por sua causa. Sabiam que ele tinha sobrevivido e agora iam acabar com o único sobrevivente daquela aldeia.

Nada importava agora, não tinha forças e não conseguia lutar ou fugir. Restava-lhe esperar que a morte viesse e o levasse para junto da sua família…

 Epilogo 

Para que os seus sonhos se tornem realidade os homens são capazes de tudo, inclusive magoar a mãe natureza e afectar o equilíbrio do ecossistema. Para que o projecto de vida de um grande empresário passasse do papel à prática era necessário arriscar e cometer uma ou outra ilegalidade. Mas o dinheiro tudo compra, logo isso seria um problema menor. O que representa construir um grande empreendimento hoteleiro em terrenos altamente férteis para a agricultura quando comparado com uns bons milhares de euros? Foi uma questão de tempo até esse ser um obstáculo ultrapassado.

E foi assim que sem olhar a meios e sem pensar nas consequências para a fauna e flora local que os homens entraram rapidamente ao serviço. Iriam cumprir o seu contracto, de preferência rapidamente. Uma dúzia de minutos bastaram para causar os primeiros estragos: um formigueiro foi completamente dizimado aquando a passagem dos trabalhadores pelo terreno em questão. Era uma luta injusta e desigual e o vencedor estava decidido à partida.

No regresso de um extenuante dia de trabalho passaram novamente pelo local anteriormente habitado por tão simpáticos e minúsculos seres. E foi então que um desses trabalhadores reparou num pequeno detalhe: no cimo de uma rocha uma formiga ainda lutava pela vida. Ao de leve, com gestos lentos e demorados, mas lutava. A força estava claramente a fugir-lhe por entre as patas. Talvez tolhido pela culpa decidiu aproximar-se e tentar salvar tão modesto animal mas, quando o colocou na palma da sua mão percebeu ser já tarde demais. A morte tinha-o levado.


Crónica de Bruno Neves
Desnecessariamente Complicado
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