O último sobrevivente – Bruno Neves

Esta semana tenho para vos apresentar algo de totalmente diferente do habitual. Nesta edição e na próxima apresentarei um pequeno conto, escrito por mim. Estás nos antípodas do que normalmente esta crónica apresenta mas, a vida é feita de mudanças e originalidade e criatividade são sempre bem-vindas. Esta semana publico a primeira parte e para a semana será publicado o desfecho desta história. É o “último sobrevivente” em exclusivo para vocês!

Passaram apenas umas horas desde que “Todo o Mal” aconteceu. Foi este o nome que deu aquela tragédia. E ele não consegue evitar reviver todos os acontecimentos. Ele sabia que aquele dia acabaria por chegar, era apenas uma questão de tempo. Era inevitável que tamanha atrocidade acontecesse.

Os mais idosos já o tinham avisado para a necessidade de reforçar as defesas da aldeia, sob pena de mais tarde todos virem a sofrer as consequências. E ele apesar de reconhecer a clarividência, e a sabedoria, dos mais idosos tinha total confiança nas defesas existentes. E para além disso não existiam ameaças iminentes. Havia já duas gerações que a aldeia não era atacada.

Enquanto membro activo e com responsabilidades na defesa da sua aldeia sabia que tinha feito tudo o que lhe era possível para evitar “Todo o Mal”. Em sua defesa podia alegar que o exército à sua disposição não era suficientemente competente para a função. Contudo eram os únicos disponíveis, logo teve de se resignar e fazer o melhor possível com a matéria-prima existente. No dia mais importante da história da aldeia todos eles tinham baqueado, permanecendo imóveis e sem reacção. Enquanto via a aldeia ser dizimada por aqueles monstros não conseguia parar de pensar em quão perdido fora o tempo dedicado a formar aqueles “soldados”.

Agora nada havia a fazer. Tudo estava perdido. Mas havia algo que o importunava: como teriam chegado aqueles monstros ali? Como tinham encontrado a aldeia? Havia gerações que ali estavam e nunca tinham sido descobertos. Uma vez por outra lá apareciam uns viajantes, mas não havia intenções de os acolher. A aldeia encontrava-se próxima da capacidade máxima e o espaço existente serviria para as gerações futuras, para que pudessem construir a sua vida ali mesmo, e não tivessem necessidade de procurar outros rumos.

Mas por mais voltas que desse a resposta permanecia uma incógnita. Tornara-se claro que tinham uma estratégia. Aquele ataque tinha sido pensado ao pormenor, e o objectivo era não só suprimi-los mas, destruir qualquer prova da sua existência. Que monstros eram aqueles? De onde tinham saído? Nunca vira ninguém daquele tamanho. Ele próprio bloqueara por instantes aquando o ataque. Era óbvio que os seus soldados não estavam à altura daquela luta, nem ele próprio estava, quando mais os seus soldados. Pela primeira vez na sua vida sentira-se impotente. Sentia que nada podia fazer para defender a sua aldeia e para salvaguardar a sua família.

Pela primeira vez sentira medo. Os mais sábios já o tinham preparado para aquele dia, mas nunca pensara que fosse tão intenso e tão…assustador! Tivera uma vida bastante calma e descansada apesar de toda a agitação própria de uma aldeia, contudo nunca sentira medo. Sempre fora o maior e o mais forte da sua geração (e mesmo das seguintes). Sabia que um dia o seu “reinado” acabaria. Só não esperava que fosse de forma tão brusca e tão evidente.

Fora obrigado a retirar-se sem sequer tentar lutar. Nunca tinha fugido na sua vida. Sentia-se humilhado, mas naquele momento a sua prioridade era outra: sobreviver. Correra como nunca antes tinha corrido, na esperança de conseguir salvar a sua família. À medida que atravessava a aldeia os monstros iam avançando cada vez mais rápido. Aqueles seres impiedosos acabaram por o conseguir ultrapassar e chegaram primeiro à sua família. Não tiveram piedade de ninguém, nem das crianças! Graças à sua destreza e rapidez conseguiu desviar-se no último instante da morte certa. Sofreu um golpe, mas podia ter sido bem pior. No meio de tanto azar, acabou por ser bafejado pela sorte, que grande ironia.

Na próxima semana é publicado o desfecho deste conto. Como se dizia nos desenhos animados:”Não percam o próximo episódio, porque eu, também não!”


Crónica de Bruno Neves
Desnecessariamente Complicado
Visite o blog do autor: aqui