Existe algo muito de muito bizarro quando somos interceptados por uma Brigada de Trânsito (BT), numa das inúmeras operações STOP que são efectuadas neste país. Torna-se quase inevitável não sentirmos um pequeno receio a apoderar-se no nosso corpo, quando observamos o senhor agente da autoridade a dirigir-se ao nosso encontro. Podemos ser as pessoas mais cumpridoras e certinhas do mundo, mas, de uma forma totalmente incontrolável, torna-se quase impossível não pensarmos que vamos ser autuados. Que o senhor agente se desloca até nós, com uma e só intenção: multar tudo o que se mexe…
Aqueles segundos de tempo em que o senhor agente demora a chegar até nós, servem para fazermos um rápido relatório sobre todas as obrigações que, como condutores, temos de cumprir: «Seguro do carro… Sim, está pago. Inspecção… Sim, é só para o ano. Imposto de selo… Aí, o caraças… Onde é que coloquei o comprovativo, pá! Ah, está aqui… Carta de condução… Sim, está aqui… Ufa!» Mas a ansiedade e o nervosismo, mesmo assim, não desvanecem… Continuam ali, a perfurar-nos o coração e, inevitavelmente, as mãos não param de tremer, como se sofrêssemos de Alzheimer…
E eis que o senhor agente da autoridade se abeira de nós, e a primeira coisa que faz é fazer continência e dizer as imaculadas palavras: «Boa tarde, senhor condutor, os seus documentos e os documentos da viatura!». Por mim, tudo bem, mas fico sempre na dúvida sobre o que fazer perante esta abordagem por parte do senhor agente da autoridade. Será que devo apenas retrucar com «Boa tarde, senhor agente», ou deverei também fazer a continência? Porque, honestamente, parece-me um pouco rude da minha parte, não responder à continência do senhor agente. Por outro lado, aprecio essa abordagem por parte do senhor agente. Porque me faz sentir bastante importante, como se eu fosse realmente um general ou um capitão – e o respeitinho para com um general é muito bom, hã!
Mas esta abordagem é um tanto ou quanto intimidadatória demais. É muito fria, e os próprios agentes da autoridade deveriam ser um pouco mais atenciosos para com a pessoa que estão a abordar. Eu, na minha mais sincera opinião, acho que deviam se preocupar mais com os cidadãos que abordam, e não demonstrar um total desprezo e falta de sensibilidade social. No meu entender, a abordagem deveria ser qualquer coisa deste género:
O senhor agente da autoridade aborda um condutor numa Operação Stop…
Agente (fazendo a respectiva continência): Ora, muito boa tarde caro condutor…
Condutor (nervoso e um pouco assustado): Bo… boa… Muito… muito… bo… boa…
Agente (Estranhando a «gaguez» do condutor): Eh, caro amigo. Tenha lá calma, homem. Tome, beba aqui um golo desta água… Não precisa de estar assim, tão nervoso… Eu não sou nenhum bicho-papão…
Condutor (Um pouco mais calmo): Eh… Eh… Sim, sim… Tem razão, você não é nenhum bi… bi… cho-papão…
Agente (Retomando a abordagem): Pois, muito bem. Então, muito boa tarde. O meu nome é Agente Silva, e gostaria de lhe pedir umas coisinhas, se for possível…
Condutor (Um pouco desconfiado): Gostaria? Então, já não gosta? Eh! Eh! Estou a brincar, senhor polícia… E, por mera curiosidade, que coisas são essas?
Agente (Um pouco indignado): Primeiro que tudo, precisamos de esclarecer aqui uma coisinha: eu não sou nenhum polícia.
Condutor (Mostrando-se surpreso): Ai, não?! Mau!
Agente (Um pouco mais indignado): Não! Eu sou um AGENTE DA AUTORIDADE! Bom, mas se não se importa, gostaria que me facultasse os seus documentos, e os documentos da viatura… fáchavôr… Se não se importar, é claro. Pode ser?
Condutor (Mostrando-se cooperante): Sim! Claro, claro… Havia lá agora de me importar, senhor agente da autoridade… Ora aqui estão…
Agente (Apressando-se a explicar): Muito obrigado! Ora, para não ficar assustado e a pensar coisas absurdas, eu passo já a explicar que, depois de consultar os documentos, tratarei de lhos devolver imediatamente… Por isso, e pelo amor da santa, não se aflija, está bom?
Condutor (Estranhando tanta amabilidade): Ok… Tudo bem… Mas, senhor agente da autoridade, está tudo em ordem com os documentos?
Agente (Tentando-se desculpar pelo o que irá fazer): Bom, primeiro que tudo, gostaria de lhe pedir perdão, mas vou ter de o autuar…
Condutor (Surpreendido): Mas… Mas… O que foi que eu fiz?! Eu não seguia em excesso de velocidade, e tenho todos os documentos em ordem! Estou aparvalhado! O que foi que eu fiz, senhor agente da autoridade?! Hã?!
Agente (Um pouco intimidado): Bom, tenha lá calma. Eu explico… O senhor tem aqui averbado na carta, o uso de óculos… E, o meu amigo, não está a conduzir de óculos. Por isso – e peço-lhe imensa desculpa – terei de o autuar… Desculpe lá, sim? Eu sei que é chato, mas lá terá de ser…
Condutor (Tentando explicar-se): Mas… espere… Eu tenho os óculos, mas sucede que, infelizmente, eu deixei-os cair e partiram-se… Eu ia agora a caminho do Oculista, para os levantar…
Agente (Mostrando-se pouco sensível): Ai… é? Bom, sabe que mais? TEMOS PENA! SÃO 500 EUROS E UM MÊS SEM CONDUZIR! SIGA! PAGA JÁ, OU FICA COM A CARTA APREENDIDA?!
Condutor (Sem argumentos): Dass…
Até para a semana, malta catita! Beijinhos, abraços e muitos palhaços…
Crónica de Ricardo Espada
Graças a Dois
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Oh, que diabo… Veja lá agora não se lembre de apresentar uma reclamação na loja onde mandou fazer os óculos por demorarem tanto a entregar o serviço… (e não vá o diabo tecê-las, descobrir que aqui a vossa leitora assídua até trabalha numa ótica…: E por estas e por outras recomendamos sempre aos clientes que fiquem com os antigos e comprem uma armação nova para terem uns suplentes em caso de emergência… 😉 )
Ana Isabel, muito obrigado por se assumir como “leitora assídua”. É preciso coragem para alguém se reconhecer como leitor da crónica “Graças a Dois”… Eh Eh 🙂
Ps: agora já pode recomendar aos seus clientes, a leitura desta crónica como exemplo da vossa recomendação para guardarem os óculos antigos enquanto esperam pelos novos… 🙂
Melhor argumento de venda que uma multa de 500 euros, não terei, de certeza! Assim que o próximo cliente entrar (e hoje está difícil, deve ser o tempo, mas ao sábado é quase sempre assim…), é logo “tchapauuuu”!
Ah! Ah! Fico imensamente feliz por poder ajudar! 🙂
É óbvio que hoje será difícil as pessoas se deslocarem a uma óptica – está de chuva, e não querem molhar as lentes, porque dá muito trabalho a limpar… 🙂
Pois, parece que sim; devem ter ido todas para os centros comerciais… mas se a questão é limpar, microfibras e liquido anti-embaciante não falta aqui… 😉
Ricardo, está com muita graça este texto. A ideia que passa, quanto à falta de sensibilidade em termos de abordagem, por parte dos agentes, também está genial. Mas o que gosto mesmo, é a sua forma de expressões tipo “…muito bom, hã!”. permite-me enquanto leitora, conseguir imaginar os diálogos que mais à frente surgem. Gosto mesmo muito. O Ricardo consegue “conversar” com quem o lê. Na minha modesta opinião, é excelente.
abraço
fatima ramos
Muito obrigado, Fátima Ramos.
Fico extremamente contente pelo facto de ter assimilado bem a minha escrita. Fico mesmo muito feliz, quando recebo este tipo de feedback, porque só assim tenho a noção que o meu objectivo enquanto escritor, foi cumprido.
Obrigado, Fátima.