Os abusos dos empregadores – Rafael Coelho

O drama do desemprego que afeta o nosso país e a nossa economia, além dos problemas sociais que consigo arrasta, é também um fator de desigualdades e de injustiças sociais e provoca nos empregadores com menos escrúpulos uma exímia tentação para a exploração da mão-de-obra que, por esta altura é infelizmente excedente no mercado do trabalho.

Está mais do que analisado e comentado o facto de muitas pessoas qualificadas e com inúmeras aptidões e competências, tentarem no mercado encontrar um trabalho digno que seja do seu agrado e, principalmente, que proporcione um maior crescimento e aprendizagem dentro da sua área de conhecimento ou de estudos. Não é no entanto isso que acontece nos dias de hoje. Os trabalhos mais fáceis de encontrar, principalmente pela população mais jovem são os que se relacionam com as vendas porta a porta (o chamado D2D) e os trabalhos em call-centers, que na sua maioria são também vendas. Tanto uns como outros são trabalhos precários e muitas vezes não são garantidos vencimentos base, uma vez que se aufere “à peça”, isto é, por objetivos; ou então camufla-se um suposto vencimento base, tendo determinados objetivos para cumprir e que, se os mesmos não forem cumpridos num determinado período de tempo, a pessoa é convidada a sair, com a justificação de que não consegue alcançar os objetivos.

Em tempos de crise, há muitas pessoas que se tentam refugiar na restauração e/ou hotelaria, cafetarias ou nas limpezas. Estas ocupações tornam-se muitas vezes um escape para onde as pessoas aceitam ir porque não encontram outros locais melhores para trabalhar. É sabido que os horários praticados nestas atividades não agradam à maioria dos trabalhadores, devido aos turnos grandemente espaçados e à falta de folgas aos fins-de-semana.

Pior do que isso passa-se quando os empregadores, com o pretexto de “na restauração é assim…” só existe hora para entrar e não existe hora para sair. Muita da culpa destas situações é também dos clientes da restauração que, muitas vezes, não sabem sê-lo e não têm o mínimo de consideração pelas pessoas que trabalham nestes locais. É frequente chegar a hora das casas fecharem e os clientes pedem mais um copo, mais uma cerveja ou mais um café… os patrões precisam de faturar e de manter o cliente fidelizado e por isso não negam o serviço, massacrando os trabalhadores, tanto clientes como empregadores. Como trabalhador ou funcionário de qualquer outro serviço ou loja, todos gostam de sair na sua hora de saída, mas depois como clientes de restauração, hotelaria, bar ou cafetaria, não usam da mesma coerência.

A escrita do presente artigo foi-me inspirada por um caso que há poucos dias conheci de um amigo que, sendo um profissional com experiência em diversas atividades, incluindo a hotelaria e restauração, decidiu distribuir alguns currículos por hotéis, restaurantes e cervejarias da cidade. Um dos proprietários de uma cervejaria, ligou passado poucos dias, no intuito de o recrutar para o seu estabelecimento. Ele aceitou apresentar-se ao serviço, combinaram o dia, a hora e a farda para trabalhar (camisa branca e calças escuras do trabalhador que o empregador lhe facultaria depois um avental) como empregado de mesa e/ou de balcão nem mais nada combinado e no intuito de “experimentar”. Dia e hora combinados, o trabalhador compareceu no local, apresentou-se, foi apresentado a dois ou três outros empregados que iriam encaminhar nas primeiras tarefas. Começou numa terça-feira, desconhecendo quer horário, quer salário e nem sabia que o estabelecimento encerrava às 2h00, abrindo diariamente às 9h.

Até domingo próximo, os horários eram-lhe informados diariamente e, nesse dia, surgiu o primeiro horário com o seu nome incluído, para a próxima semana (de segunda a domingo). Nessa segunda-feira, usufruiu do seu primeiro dia folga, tendo contabilizado cerca de 60 horas de trabalho efetivo em 6 dias (média de 10h/dia). Achando que eram muitas horas “em cima das pernas” e visto ter alguns problemas de coluna que estavam a gravar-se com esse ritmo, o trabalhador pediu ao patrão para fazer o favor de o colocar em horário mais curto (part-time), no máximo de 5 a 6 horas diárias. O patrão disse que ia estudar a situação e mostrou-se compreensivo com a argumentação do colaborador. Então, na semana seguinte, fez 42 horas em 5 dias de trabalho (qual part-time???).


No domingo seguinte – dia se saírem os horários semanais, entrava ao serviço às 15h e saía às 24h. Esperou durante essas nove horas o aparecimento do horário e só conseguiu ter-lhe acesso, após a sua saída às 24h. Qual não foi o seu espanto, quando verificou que estava os 7 dias da semana escalado para trabalhar, após já ter trabalhado 5 dias – ou seja, iria trabalhar 12 dias ininterruptamente sem folgar!!! Ficou abismado, foi para casa e nada disse. Durante a noite, tomou a decisão de folgar no dia seguinte – segunda-feira – até porque tinha coisas combinadas e pensava que voltaria a folgar nesse dia da semana. Uma vez que estava escalado para entrar ao serviço às 15h (até às 24h), pelas 9h informou por SMS o patrão que teria de folgar nesse dia, alegando o desconhecimento prévio do horário de trabalho e também o facto de ter coisas combinadas para tratar da sua vida pessoal. Deu portanto 6 horas ao patrão para resolver a questão. No dia seguinte – terça-feira – escalado para as 17h (até às 2h), avisou o patrão que iria às 15h para ter uma conversa e foi o que fez. Ao apresentar-se e esperar quase uma hora pela chegada do patrão, este reconheceu o profissionalismo e sensibilidade do trabalhador para o serviço, mas de facto o que necessitava era mesmo de um full-time e não de um part-time. Pagou-lhe então em dinheiro o seu trabalho desses 15 dias e disse-lhe que, quando voltasse a precisar de alguém para serviços esporádicos, o contactaria.

Ora, refere o meu amigo – que também tem conhecimentos ao nível das leis do trabalho – que aquele empregador estava a cometer as seguintes infrações às regras:

1. Horários com 9h de trabalho diário mínimo consecutivas, sem pausa mínima de 1h;

2. Distância temporal entre dois turnos de 5 horas de intervalo;

3. Apenas 1 dia de folga – após 6 dias de trabalho mínimo a 9 horas, quando não eram mais;

4. Semanas com muito mais de 40 horas de trabalho – trabalho suplementar não remunerado;

5. Distância temporal entre dois dias de trabalho consecutivos inferior a 11 horas (por exemplo, saída às 2h ou mais e entrada às 9h, às 11h ou às 12h).

Além de tudo isto, não houve passagem de documentos, não houve contrato de trabalho, não houve informação de vencimento, não houve descontos para a segurança social, não foram apresentados os chefes de turno, não houve formação, houve trabalho de estagiário para um indivíduo com experiência superior a 8 anos no ramo…

Afinal, falta de vontade para trabalhar, muitas vez há, o que também é oportunismo e em certos casos, escravatura, numa sociedade que ainda se considera democrática e num Estado que se quer “de Direito”.

 

Crónica de Rafael Coelho
A voz ao Centro