“Os joguinhos de palavras do governo finlandês” – Nuno Araújo

“Os joguinhos de palavras do governo finlandês”

Espero que me perdoem o desabafo mas, já não há paciência para o “joguinho” do governo finlandês, em relação à sua posição face ao Euro. Bem que tentei passar este mês de Agosto sem falar, uma vez mais, da crise financeira, da crise das dívidas soberanas, da crise grega, entre outras, porém as sucessivas frases soltas deixadas por elementos do governo finlandês, ora num jornal, ora num canal de televisão, deixam-me à beira de “um ataque de escrita”.

O ministro dos Negócios Estrangeiros finlandês, Erkki Tuomioja, que é membro do partido social-democrata finlandês, disse em entrevista citada pelo diário The Daily Telegraph, esta sequência agrupada de palavras, vulgo argumento, e que é uma verdadeira “pérola”:

“Há um consenso sobre o facto de um colapso da zona euro ser mais caro a curto e médio prazo do que a gestão da crise. Não há regras para sair do euro mas é apenas uma questão de tempo. Ou sai o Sul ou sai o Norte porque esta camisa de forças em que está metida a moeda única causa sofrimento a milhões de pessoas e está a destruir o futuro da Europa. É uma completa catástrofe. Por este andar, vamos ficar sem dinheiro. Mas, na Europa, ninguém quer ser o primeiro a sair do euro e a arcar com a culpa toda” (Ler mais)

O ministro finlandês dos Assuntos Europeus, o Sr. Alexander Stubb, veio a público mostrar “a outra face do governo finlandês”, ao afirmar o apoio do governo finlandês à moeda única. “Vemos o euro como um projecto politico e económico, com o qual estamos comprometidos a 100 por cento”, disse, mas esclarecendo que “a Finlândia vai ajudar os outros membros do euro em dificuldades, mas exigirá condições mais estritas e uma maior integração. Temos de ter regras mais apertadas”.

A Finlândia tem governo de coligação formado por seis partidos (é um país onde o partido mais votado tem pouco mais 20% dos votos) , e Alexander Stubb, ministro do partido conservador, não resistiu a completar as suas afirmações com o seguinte:

“Continuamos empenhados e , bem entendido, é lamentável que sejam avançadas tais declarações e conjeturas. Isso não ajuda nada”.

Talvez estas palavras sejam frutíferas para angariação de votos, digo eu, ou sinal de que o governo finlandês já não está tão coeso como os mercados internacionais acham. Convém recordar que a Finlândia tem governo que ainda não perfez ano e meio em funções.

Já o austríaco Michael Spindelegger, vice-chanceler, ministro dos Negócios Estrangeiros e líder do partido conservador ÖVP, decidiu “brindar” os leitores do jornal conterrâneo Kurier, que tinha a manchete “Batoteiros fora da zona euro”:

“Precisamos de mais mecanismos para expulsar alguém da união monetária, os países que não respeitam os compromissos. Se essas regras existissem, já teríamos sentido as consequências” (Ler mais)

Markus Söder, ministro das Finanças da Baviera, região estadual da Alemanha, também defendeu recentemente a saída da Grécia da zona Euro. Como tal, são já algumas e importantes as opiniões que defendem a saída dos helénicos. Mas são opiniões de figuras provenientes de países que também se financiam, ultimamente, com taxas de juro negativas, como Alemanha, França e Finlândia (este país com AAA de notação na Moody’ s, único da zona euro a consegui-lo). Não tenho qualquer tipo de dúvida ao afirmar que, em meu entender, sempre que um ministro de um governo de um país do norte da Europa critica a Grécia ou aborda o fim do euro, consegue taxas de juro bastante mais favoravéis nos financiamentos obtidos nos seus leilões de dívida pública efectuados nos mercados bolsistas europeus. Portanto, o ex-chanceler alemão Gerard Schröder, quando pede para “deixarem de linchar a Grécia” sabe que estas palavras não irão ter qualquer efeito nos governantes desses países citados , ou até dos mercados. Tratam-se de palavras que as opiniões públicas poderão “digerir” à sua maneira, por ventura, único objectivo tangível quanto a essas afirmações.

Assim sendo, também devo questionar: por onde anda o presidente francês, François Hollande? Será que os tumultos nos “banlieues” das cidades francesas lhe tomam toda a atenção, ou estará o Sr.Hollande apenas “prudentemente satisfeito” (digo eu!) quanto aos bons resultados dos leilões de dívida pública francesa? A Zona Euro precisa de si, Sr.Hollande! A crise da dívida pode “tocar” a todos os países da zona euro!

É um facto consumado que a Europa “anda a duas velocidades”: a velocidade dos “ricos” e a velocidade dos “pobres”. Os personagens de uma e outra face já os conhecemos bem, mas estas duas velocidades deixarão, certamente, de interessar aos “países ricos” um dia destes sem falta.

A verdade é que o projecto europeu foi concebido com base em valores humanistas, de valorização da paz, da prosperidade, de liberdade, de igualdade, de franternidade entre povos, de entreajuda, de trocas culturais, de solidariedade institucional, com princípios de subsidariedade inclusiva, discriminação positiva, entre outras virtudes esboçadas pela social-democracia europeia, no geral; já a moeda Euro, começou com o facto de ser altamente valorizada em câmbio, e que criou conversões de preços (de divísas antigas nacionais para o Euro) verdadeiramente perigosas e inflacionadas; tem no seu gestor Banco Central Europeu (BCE) um agente que apenas se preocupa em implementar medidas para conter a subida da inflação e não a subida do desemprego nos “países pobres”, logo, o Euro tem na sua génese valores da família popular europeia, mais da vertente “capitalista” do termo. Estes dois projectos são antagónicos. E tenderão a consumir-se um ao outro, se nada de sério e eficaz for feito entretanto.

Desta forma, resta dizer que qualquer país que hoje seja próspero, amanhã poderá estar em recessão; mas o contrário também é verdade: que o digam os finlandeses, outrora pobres mas hoje prósperos (tão pobre que até Portugal, liderado pelo ditador Salazar, ajudou com vários mantimentos esse país nórdico, que chegou a colocar em dúvida o apoio inicial ao plano de assistência financeira da Troika). A Finlândia, sobretudo por ter combatido a invasão da União Soviética ao seu território, na II Guerra Mundial, teve que pagar indemnizações chorudas aos soviéticos, até à queda do muro de Berlim; após essa data, a Finlândia foi crescendo, até ser o que se tornou: um país próspero. Mas deve dinheiro a credores, como qualquer estado da zona Euro. A Grécia, como escondeu, com ajuda de bancos norte-americanos, derrapagens de défices que deixariam o país fora da moeda única europeia, pode estar, hoje, a ser vítima de um “vingança” posta em prática pelos países do norte da Europa. É que, convém lembrar, quando importantes bancos e seguradoras dos EUA foram à falência, em 2008, a Grécia foi também sendo visada pelos mercados internacionais. Será que as duas situações estão ligadas entre si?


Crónica de Nuno Araújo
Da Ocidental Praia Lusitana