Paranormal – Miguel Bessa Soares

Hoje o Miguel não faz a crónica. Eu sou um espirito, uma assombração, o que lhe queiram chamar, que possui o Miguel (os dedos – mentes perversas) para vos escrever esta crónica.

Calculo que nesta altura o leitor quer saber o que fui numa vida anterior, nada, era um gajo normal mas sempre quis assombrar. Sonhava em assombrar desde pequeno. Sempre tive um fetiche por correntes e lençóis brancos e como nos anos 50 não havia uma secção de relax nos jornais nunca pude explorar esse fetiche de outra maneira.

Assombro há quase 60 anos e estou bastante contente não só com as minhas assombrações mas também com os efeitos que produzem. Não é fácil passar as noites a arrastar correntes de um lado para o outro a gritar: “Buhhh” mas alguém tem que o fazer, e eu sinto que nasci, ou melhor morri para assombrar.

Sinto-me magoado com as pessoas no geral, hoje em dia já não há respeito nenhum, as pessoas baldam-se para as discotecas e bares e uma assombração tem que ficar acordada de correntes enroladas na mão à espera dos residentes. E depois quando chegam vêm tão possuídos com as porcarias que consomem que não dão valor à assombração. Quantas vezes os ouço dizer: “- Ei men, nunca mais consumo daqueles acídos… parece que anda aqui um gajo vestido de lençol a arrastar correntes.” E normalmente nesta altura atiram-me com uma bafarada de fumo. Eu não tenho pulmões, mas a profissão obriga-me a manter o lençol imaculadamente branco.

Nem sempre foi assim, há uns tempos atrás assombrei um palácio para os lados de Belém, o que eu gostava daquilo, finalmente um palácio, algo digno de uma assombração. Mas um dia o habitante de lá disse-me que a reforma não chegava para as despesas dele, que ia ter de cortar, e ia começar pelo detergente que uso para lavar o meu lençol. Ainda lhe disse: “Buuuhhhhh, eu já condenei pessoas”, mas ele respondeu-me:”Buuuhhhhh, eu condenei um país” e eu sem argumentos retirei-me.

As coisas estão cada vez mais difíceis, às vezes vêm pessoas falar comigo, dizem-me para ir “de encontro à luz”, mas a última vez que eu fiz isso meti-me à frente de um comboio e deram-me um lençol e correntes para assombrar. Agora custa-me também deixar isto, porque o assombro está pelas ruas da amargura, e são cada vez menos a querer abraçar esta arte secular. Mas uma coisa é certa se o Passos se lembra que assombração paga imposto ponho-me já… na luz.

Crónica de Miguel Bessa Soares
Mundo ao Contrário
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