Porquê – Transportes Públicos

Hoje fui parar mesmo à frente de um menino que vinha sentado ao lado da mãe. Nunca lhe vi a cara, mas bastava ouvir o tom da voz. Era daqueles que têm uns cinco ou seis anos, e que estão sempre a fazer perguntas. Nós, as mães, vamos respondendo pacientemente a todas, porque é isso que nos compete. Mas ficamos estafadas; e, de vez em quando, temos vontade de lhes dar um berro e dizer só “Porque sim! Chega!”. Que chatos.

Este estava todo interessado em questões relativas ao estado da via pública. Não se calava. E a mãe respondia a tudo. Com uma voz lindíssima, cheia de amor e exasperação em partes iguais.
Porque é que aqui as linhas são a amarelo?
Porque são provisórias.
O que é que isso quer dizer?
Que só vão estar aqui um tempo, até eles acabarem as modificações que estão a fazer na estrada.
Ah. Mas nós vamos na via especial dos Transportes Únicos, não é?
É Transportes Públicos.
Ah. Mas aqui só passamos nós e os táxis, não é?
É.
Então e os eléctricos não são Transportes Únicos.
Transportes Públicos. São. Mas só podem passar onde houver ralis.
O que é que isso quer dizer?
Quer dizer que os eléctricos são como os comboios, precisam de ter carris em baixo e fios em cima. Não vês quando vamos no 25?
Ah. Mas porque é que ali o chão está assim?
Porque estão a tapar com empedrado.
Porquê?
Deve ser porque os carros patinam muito, no empedrado. Quando está molhado, como agora, faz patinar os carros. Então é mais prudente tapar o empedrado com asfalto.
Porquê?
Porque os carros patinam muito menos no asfalto do que no empedrado, não vês?
Ah. Mas então, por aqui, só passam autocarros e táxis, e onde houver carris também passam os eléctricos?
Pois é.
Ah. Então mais nenhum carro pode passar por aqui?
Não, os carros normais não podem, tirando naquelas alturas em que é para virar. No resto no tempo, não podem.
Ah.
Aqui houve uma pausazinha. Dois ou três batimentos cardíacos de raciocínio intenso.
Ó mãe.
Diz.
Olha, então e se for um cavalo? Os cavalos podem passar aqui, mãe?
E o mais incrível é que a mãe nem hesitou em responder à pergunta, com uma história que agora até metia os cavalos da Guarda Nacional Republicana, e que, por isso, logicamente, ia dar azo a outra conversa daquelas, com a mesma extensão e o mesmo nível de intensidade.
Nós, as mães, somos prodigiosas. Ela atirou-se àquilo dos cavalos com todo o brio. Mesmo no preciso momento em que nos apetece dar-lhes um berro.


Crónica de Clara Pinto Correia
Transportes Públicos