Revoltado da tecnologia

O mundo orbita à volta da tecnologia. Hoje em dia, não há ninguém que não use a tecnologia no seu dia-a-dia. Computadores. Smartphones. Tablets. Smartwatches. Quem é que, nos dias que correm, não usufrui de enormes quantidades industriais de tecnologia. Até já existem as denominadas “casas inteligentes” que fazem um preguiçoso por natureza aproximar-se vertiginosamente de um vegetal. Basta bater palmas e as luzes acendem-se. Basta assobiar e os estores das janelas abrem ou fecham. A tecnologia está em todo o lado e até na via pública existem câmeras de vigilância a controlar tudo o que fazemos. Com a evolução da tecnologia, a IA (Inteligência Artificial) vai galgando terreno aos humanos e, daqui a uns anos, certamente que existirão mais robôs no mundo do que humanos. Mas, mesmo vivendo num mundo absolutamente asfixiado pela tecnologia, existem ainda algumas pessoas que não se dão muito bem com esse facto e rejeitam, de forma bastante veemente, a existência ou dependência de todos os meios tecnológicos que as rodeiam. Uma dessas pessoas que, apesar de ainda se encontrar numa faixa etária bastante aceitável para o uso das tecnologias, é o meu cunhado. A aversão que ele tem por meios tecnológicos chega a ser aflitiva e, por vezes, verdadeiramente incompreensível de suportar. Sempre que necessita de usar a tecnologia para resolver algum assunto importante, ele entra em parafuso e acaba sempre por ter de pedir ajuda porque não tem as habilitações necessárias — ou, por outras palavras, por não aceitar o monopólio da tecnologia, não tem sequer um smartphone habilitado para as tarefas mais mundanas. E isto resulta, por vezes, em diálogos telefónicos verdadeiramente insanos e com uma enorme dose de insubordinação pura e dura.

“Pá, podes ajudar-me?”

“Sim, claro. Então o que se passa?”

“Preciso de mandar uns emails ou lá o que é isso!”

“Ah, ok. E então?”

“Então… não sei fazer isso. Podes ajudar-me?”

“Não sabes enviar um email? É super fácil… é só colocares o destinatário no…”

“Pá, isso eu sei! Não é isso. É que… tenho de enviar uns documentos e não sei como…”

“Ah. Porque não disseste logo? Isso é só anexar os documentos e enviar. É super básico.”

“Ah, mas só tenho os documentos em papel. Como é que enviamos…”

“É só digitalizar. E depois é só anexar e enviar no email.”

“Ah… e como se faz isso?”

“Com a impressora. Actualmente todas têm digitalizador. É só digitalizar para o computador e depois anexar no email e enviar. Super fácil.”

“Super fácil para ti. Eu não percebo nada disso. Então não era mais simples colocar os documentos num envelope, ir aos CTT e enviar essa porra para o destinatário. Raios partam a tecnologia!”

“Não. Mais fácil é fazeres isso tudo sem sair de casa, apenas usando a impressora, o computador e a internet.”

“Eu não acho, mas tudo bem… fazes-me isso?”

“Sim, sim. Passa cá em casa e tratamos disso.”

“Já agora… Vi na televisão que a Galp está a fazer uma promoção no gasóleo. Consegues ai ver-me como se faz isso?”

“Sim, eu sei o que é. Mas precisas da APP da Galp para poderes apresentar no posto de combustível para usufruíres do desconto!”

“Oi? Preciso do quê?”

“Da aplicação da Galp instalada no telemóvel para poderes mostrar…”

“Ah, mas como posso colocar isso no telemóvel? E é preciso ter internet? É que eu não tenho internet no telemóvel. Acho que o meu tarifário por carregamentos não me deixa ter internet ou lá o que é.”

“Sim, pá. Precisas de ter internet. E o teu telemóvel é tão antigo que não me parece que consigas ter acesso à Play Store para conseguires fazer o download da APP.”

“O quê? Estás a dizer-me que, para ter a porcaria de um desconto no combustível da Galp, tenho de ter um telemóvel actual com internet e com acesso a essa coisa que disseste para ter a APP ou lá o que é isso?!”

“Claro.”

“Eh pá, é o cúmulo. Agora para ter as coisas também é preciso internet? E telemóveis topo de gama? Pó raio que os parta, mas é! Vá, eu já passo aí para me enviares o email, está bem?!”

“Sim, claro. Larga lá a caverna e aparece cá por casa, ó neandertal…”

“UGUGU AGAGA HUURR!”

“Até já…”