…Saber Envelhecer…. – Aida Fernandes

“Não importa se a estação do ano muda… Se o século vira…se o milénio é outro.

Se a idade aumenta…conservo a vontade de viver…não se chega a parte alguma sem ela.”

Se o tempo envelhecer o meu corpo, mas não envelhecer a minha emoção, será mais fácil ser feliz.

Falar é fácil podem dizer…com razão, mas falar com experiencia é bem mais sábio! Desde que comecei diariamente a lidar com idosos que me apercebi o quanto é importante atribuirmos o valor á nossa vida enquanto vamos envelhecendo, e ainda a importância de estudar o envelhecimento, afinal é uma etapa para a qual caminhamos.

A vida é mais emocionante quando se é ator e não espetador, quando se é piloto e não passageiro, enquanto  atores temos por missão representar algo, um papel que pode ser principal ou secundário, e a etapa da vida que mais nos permite ser atores principais deverá ser quando ainda temos todas as faculdades para poder desempenhar o papel …a velhice será assim o sentimento que o palco já pertence a outra geração mas que o meu papel foi bem desempenhado.

Quero ter o direito de envelhecer sem culpa, sem ter de me preocupar de esconder os fios de cabelos brancos ou apagar a história escrita na minha face em traços marcados pelos momentos…rugas! Malditas rugas que ninguém aceita!

Quero ter a serenidade que todos desejam e poucos alcançam, buscando a forma de parecer mais jovem, não precisando para isso tornar-me ridícula, irritada e inconformada, tentando parecer que tenho vinte anos!

Fui menina e vivi esse tempo, fui jovem…adolescente e passei por todas as fases chatas, boas e ruins, próprias da idade. É como jovem adulta que aprendo a levantar-me com os erros, sempre ouvi dizer que depois de cair não devemos ficar prostrados por terra!

Hoje vou a caminho de uma nova fase, sou uma “senhora quase velha…sim porque aos quarenta anos já somos considerados como tal (para algumas coisas!)! quero desfrutar de tudo que me é de direito… esquecer e lembrar, caminhar em passos mais lentos…correr e cansar…perder-me no silencio e encontrar-me nos risos e sorrisos …relembrar fatos já idos e sentir um aperto no peito…reviver bons momentos, rever os amigos, rir com eles e chorar também… tirar muitas fotos para mais tarde recordar…quero continuar a sentir a vida mesmo ouvindo muitas vezes dizer,…” não compreendo como aos quarenta e tal anos, ainda se vai para jantares com amigos, jantares de mulheres, andar em discotecas, dançar! … São coisas de novas modernices!…” Pena que muitas pessoas pensem assim, só podem estar fechadas a uma mentalidade retrograda, pessoas que em vezes de atores são meros espectadores com a missão de criticar somente.

A vida é feita de instantes, não pode nem deve ser medida em anos ou meses, muito menos em minutos… há pessoas que de pequenos instantes conseguem fazer grandes momentos…há ainda idosos que com as suas conversas conseguem fazer do nosso tempo uma eternidade de lembranças!

Vou falar numa idosa com cerca de noventa anos, com lucidez que me relatava as suas experiencias e que me dizia,…” se eu fosse nova, vivia a vida de outra forma, ninguém me ensinou a envelhecer, hoje é tudo mais fácil, a informação chega a todos com outra clareza, não se escondem as coisas, não precisam de se esconder para serem felizes…que tristeza eu tenho de ter vivido numa época tão fechada, onde tudo era pecado ou errado!”… Ela tinha razão, via-se agora na incapacidade de realizar os seus sonhos…mas com a noção que esta geração deveria aproveitar os aspectos positivos. Esta idosa marcou-me pela sua forma de ser e estar, e foi com alguma tristeza que a vi aos poucos ir perdendo a memória, fruto de uma demência própria da idade, com situações também elas marcantes porque até nestes períodos ela conseguiu ser para mim, alguém memorável, não esquecendo nunca uma passagem (…isto para aligeirar …).

Já todos sabemos que lidar com idosos requer muita paciência …mas lidar com idosos em fases de demência, é uma experiencia única…de momentos únicos, que devemos guardar como uma mais valia!

Lembro-me que ela não queria lanchar, recusava tudo e todos…o lanche era bolachas ou pão com leite…um lanche como habitualmente, mas ela simplesmente dizia,”… eu não estou habituada a lanchar porque tenho que lanchar hoje!minha nossa não havia volta a dar, até que eu depois de tanto pensar lhe disse, D.Maria (era assim que ela se chamava), eu mandei fazer as bolachas com o seu nome e a senhora vai-me fazer essa desfeita, fico muito triste!…ela olhou para mim e para as bolachas e viu que elas diziam Maria, (bolacha Maria que todos conhecemos) depressa se apressou a dizer,”… a sério! Mandou fazer as bolachas com o meu nome! Que linda menina, claro que tenho que comer, já podia ter dito, dessas eu quero…Bolacha Maria!…”

Não acham que este tipo de vivencias nos ajuda a superar o dia a dia! É preciso de fato muita paciência, mas não foram os que agora são “velhos”, que um dia andaram a passear por todos os cantos da casa para que conseguíssemos comer a sopa…tomar o leite…comer a peça de fruta, cantar uma canção de embalar? Foram sem dúvida e são esses mesmos que agora vêm o papel invertido, um papel tão secundário que poucas pessoas gostam de apreciar, porque parecem tolinhos, porque são tristes, porque usam fralda, porque estão numa cadeira de rodas ou porque simplesmente o stress diário não lhes deixa tempo nem paciencia para os “aturar” ou cuidar. Muitas vezes estão longe de imaginar que compensatório é tudo isto, desgastante também, mas deixa as suas marcas no tempo que vivemos e partilhamos com eles.

Se tivesse que fazer um tributo ao tempo eu faria não somente ao tempo que soube aproveitar no passado como ao tempo que não quero desperdiçar no futuro e ainda ao tempo que tenho aqui e agora…é neste sentido que entendo o envelhecimento, um sentido de um tempo que não volta mais mas que foi vivido na sua etapa, um futuro que devo permitir me seja imputado conforme as circunstancias próprias de mais uma etapa, e ainda um presente consciente que até chegarmos à etapa final devemos SER…simplesmente!

Ser…saber crescer… saber amar… saber sorrir…encantar e envelhecer!

Faço parte de uma geração que vivenciou a mudança de um século e de milénio, conheci e conheço pessoas que já passaram pela mudança de dois seculos, o que vai na cabeça destes seres que não somente passaram por duas guerras mundiais como estão voltados para um seculo pautado pelas grandes descobertas científicas, invenções tecnologias, viagens ao espaço e um grande número de acontecimentos que vieram revolucionar a nossa história.

De toda esta experiencia, noto que eles sentem que fazem parte doutra geração sim, mais pobre, com outros valores, testemunham acontecimentos e histórias sem fim mas que estão muito voltadas para as lamentações que tomaram o lugar dos sonhos, no entanto para eles a vida não vindo embrulhada em um laço continua a ser um presente e o medo de partir é de tal ordem que passam a vida a rezar…a implorar para que o resto dos dias sejam mais coloridos, marcas que ficaram de uma vida cheia de atropelos, uma história com as incoerências e dificuldades e não apenas com acertos e vitórias.

Muitas pessoas pensam que não vale a pena abrir o livro da vida aos outros, por o acharem desinteressante, nas dececções, nos recuos, nos medos e nas crises, mas são estes ingredientes que levamos até ao nosso final, que tornam a história real.

Não quero portanto lamentar o fato de envelhecer, é um privilégio negado a muitos…!

Se envelhecer com qualidade de vida cabe-me a tarefa de ensinar os demais, não somente o que aprendi mas o que vivenciei com sabedoria. A todos os que cuidam de idosos, desde enfermeiros, médicos, cuidadores…vale a recomendação de que esta nobre tarefa inclui a assistência que vence o maior de todos os obstáculos….SER VELHO!

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Crónica de Aida Fernandes
A última Etapa