Saúde Mental (Parte 2) – Um modelo comunitário – Lúcia Reixa Silva

residencia

Na minha crónica de hoje pretendo dar continuidade à reflexão que partilhei convosco, a semana passada, sobre saúde mental.

Acredito ,desde há muito tempo, que um modelo comunitário, que insira na sociedade as pessoas com psicopatologia severa e crónica, de forma protegida, pode e deve ser o tipo de solução a trabalhar num país que preze os direitos de todos os cidadãos.

Gostaria que Portugal fosse um desses países, sempre, e que, embora existam erros no passado das políticas de saúde, e, muito concretamente, no que à saúde mental se refere, avançássemos no sentido do progresso e do humanismo, numa lógica de oposição a medidas economicistas por si só.

Um dos modelos comunitários que mais sentido me faz é exactamente aquele que se começava a praticar no próprio Hospital Miguel Bombarda antes da fusão que precedeu o seu encerramento total. Na verdade, desde 1999, sensivelmente, que este hospital especializado em saúde mental, ia caminhando no sentido da desejada desinstitucionalização dos doentes crónicos, salvaguardando a sua adaptação a novas unidades e a sua correcta integração. Este processo, que já na época chegava a Portugal com dez anos de atraso face ao exemplo do Reino Unido, chegava pois em “boa hora”, com o objectivo de se abandonar o modelo “hospício” e incrementar, neste mesmo hospital, o acompanhamento especializado em cada uma das áreas da psicopatologia em consulta externa, hospital de dia, residências de transição e outras unidades de vida protegida, fóruns de trabalho e ocupação no exterior e apoio a residências comunitárias, fora do local “hospital”, mas com acompanhamento por parte das equipas técnicas,.

Já sabemos que este processo foi interrompido abruptamente em 2004, mas o que há a retirar daqui é um modelo comunitário com esta linha de orientação, e que muitos desconhecem.  O modelo consiste  em pequenas unidades residenciais, situadas no exterior, inseridas na comunidade local. Estas unidades nada mais são do que casas – moradias ou apartamentos – partilhadas por um pequeno número de utentes, com acompanhamento especializado diário, com actividades ocupacionais e/ou emprego protegido; os utentes também participam e são responsáveis, rotativamente, pelas tarefas da casa, com o respectivo apoio. A fórmula é bastante simples, ao invés de termos instituições enormes com largo número de doentes internados durante 40 anos ou mais (o modelo hospício, portanto) – passamos a ter os doentes como agentes intervenientes na sua recuperação e na manutenção do seu estado de saúde, devidamente apoiados no processo, mas com responsabilização tanto quanto possível do próprio utente.

Renitentes à mudança e ao convívio fraterno, os doentes que padecem deste tipo de psicopatologia mais severa, adaptam-se curiosamente a estas residências com alguma facilidade: são integrados em pequenos grupos heterogéneos na residência, avaliados previamente nos seus gostos e aptidões para que as ocupações e trabalho sejam concordantes com o seu perfil e o respeitem, são medicados e acompanhados. A verdade é que o modelo resulta, os doentes têm uma melhor qualidade de vida, ganham responsabilização e autonomia, sentem-se integrados na comunidade envolvente.

Para que estes modelos sejam criados e sustentados é no entanto essencial que se disponham de recursos: os imóveis (quantos não existem por ocupar, pertença de Câmaras, Segurança Social, etc.); recursos humanos adequados (técnicos, médicos, enfermeiros, psicólogos, animadores, auxiliares de acção médica); fóruns ocupacionais nas comunidades; emprego protegido ; acesso gratuito à medicação específica em casos que assim o exijam; apoios à criação e manutenção de equipamentos sociais, incluindo apoio a Associações que actuem nesta área e no desenvolvimento destes projectos; criação e implementação de projectos de sensibilização e informação sobre saúde mental destinados à população, com o objectivo de fomentar a aceitação e compreensão da perturbação mental e dos doentes.

A saúde mental precisa de uma reforma baseada em modelos de inserção na comunidade, não precisa de modelos que “fabriquem” números para os gráficos e relatórios a apresentar; precisa de modelos que trabalhem com, e para, as pessoas!

Numa sociedade que vê a cada dia que passa a deterioração dos valores mais nobres entre seres humanos, e a perda sucessiva de liberdades e direitos, urge pensarmos estas coisas e desenvolvermos a nossa capacidade de empatia…Pensarmos o Eu, o Outro e o Mundo de uma forma plena em que escolhemos construir em vez de destruir, incluir em vez de discriminar.

Ser agente de mudança na nossa vida é contribuir para ser agente de mudança no Mundo…e isto pode começar pelo simples acto de reflectir…

Hoje a minha reflexão passou por aqui…agradeço a todos os que a partilharam comigo!

Tenham uma óptima semana!

 (Este texto está em desacordo com o Novo Acordo Ortográfico)

LúciaReixaSilvaLogo

Crónica de Lúcia Reixa Silva
De Alpha a Omega