Tal como eu tinha escrito, o PS apresentou uma moção de censura ao governo de Passos Coelho e Paulo Portas. Ainda sem se conhecer o teor da moção, a semana que passou anunciou também o regresso a Portugal e à vida pública de José Sócrates, directamente de Paris para a RTP. A audiência portuguesa, privilegiada, interroga-se sobre qual destas novidades será a mais importante.
Em França, Nicolas Sarkozy e Christine Lagarde, a senhora do FMI, viram as suas residências alvo de buscas pela polícia. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades…
O Chipre, quase em bancarrota, pede ajuda à UE, que quase a rejeita, e à “tia” Rússia, que quer a “alma cipriota” em troca de um empréstimo. Será que muita coisa estará para mudar?
Moção de censura do PS vs regresso de Sócrates
António José Seguro fez o que se lhe exige, perante o descalabro em que o governo colocou o nosso país: o PS irá apresentar uma moção de censura ao governo PSD-CDS. Muito bem. A moção de censura é de facto, incontornavelmente, o melhor para o país.
Mas, não deixa de ser curioso: no mesmo dia em que Sócrates é anunciado como novo comentador da RTP, é que Seguro anuncia uma moção de censura. O que mudou no cenário público e político de um dia para outro? Um determinado regresso de alguém que poderá fazer “marcação ao homem”, assim como “fazer estremecer” lideranças que apostam, agora mais do que nunca, numa “fuga para a frente”.
José Sócrates, ex-primeiro-ministro, volta de Paris após quase dois anos de afastamento. Regressa em alturas de congresso do PS. Regressa numa fase em que é preciso dar “um empurrão” ao governo que teima em não cair, governo esse já “caído no tapete” e repleto de ministros que são “cadáveres políticos”. Sócrates volta para lembrar aos portugueses que ele até podia ter razão, ao querer apoio do PSD de Passos Coelho, pelo que teria evitado a austeridade e mesmo o FMI em Portugal quem sabe? Sócrates vai volta para lembrar que Passos Coelho foi a primeira escolha dos portugueses para primeiro-ministro, e isso paga-se com o corte de salários e de reformas, desemprego, miséria, fome.
Muita coisa está a mudar em Portugal e na Europa, até no mundo, a pouco e pouco. Mas a moção de censura, que marca o fim do apoio do PS à maioria PSD-CDS destinada a sair do governo, e o regresso de Sócrates são dois sinais de que o país precisava para perceber que a política da austeridade não é eterna, e de que no momento certo, os portugueses agem e sabem bem o que querem para o seu país.
Mais: António José Seguro vai apresentar a moção de censura do PS ao governo PSD-CDS quase em simultâneo com a decisão do Tribunal Constitucional sobre 16 indagações ainda em estudo por parte do orgão que avalia assuntos relativos ao “texto essencial” da nossa democracia. Se alguma dessas indagações implicar ilegalidades no Orçamento de Estado em vigor, concerteza que o governo se irá demitir, ou será demitido. Exactamente, Cavaco Silva já deu isso mesmo a entender.
A ver vamos.
Nuno Santos despedido da RTP
Na semana em que o PS decidiu ir mostrar “cartão vermelho” ao governo PSD-CDS por “agressões ao povo português”, o despedimento de Nuno Santos da RTP surge como o “canto do cisne” do governo e de Miguel Relvas, ou seja, um dos últimos actos de gestão do governo. O despedimento de Nuno Santos é um exemplo de como a ERC não age em prol de uma comunicação social livre e independente, em Portugal. Em meu entender, esta decisão tomada pela administração da RTP devia ser repudiada publicamente pelo PS e pelos defensores da democracia, pois a demissão de um director de informação da RTP, nas condições em que isso foi feito, não se trata claramente de um simples acto de gestão, mas sim de uma “purga política”.
Chipre: quanto custa um resgate?
O Chipre é uma ilha do Mar Mediterrâneo, na zona mais chegada à bacia do médio-oriente. Essa ilha é apelidada já há algum tempo de “colónia russa”, pois metade dos depósitos bancários lá colocados são de cidadãos russos, não residentes lá a maioria deles.
A forte presença da Rússia no Chipre é a razão pela qual a UE não apoia o Chipre, tal como apoia outros países periféricos em crise. Existe a ideia generalizada entre os líderes europeus de que a crise do sector bancário cipriota não será mais do que uma “armadilha” criada pela Rússia, por forma a enfraquecer o Euro e a conseguir garantir mais um aliado geopolítico na bacia do mediterrâneo, a par, quiçá, da Síria do ditador Assad.
Com a nova medida, já aprovada, de colocar um imposto de 20% sobre todos os depósitos acima de 100 mil euros, em bancos cipriotas, a UE endereça uma mensagem clara aos magnatas e demais russos abastados, que tanto utilizaram nos últimos anos o Chipre para depositar “dinheiro vivo”: o Chipre já não será um “offshore” paradisíaco para russos endinheirados.
Como já se viu, a austeridade não é a melhor forma para a UE resolver a actual crise cipriota, mas a Comissão Europeia insiste em aplicar o mesmo tipo de tratamento a esta crise. Tome-se-lhe o exemplo do “bom aluno português”, em que se o “doente não morre da doença, morre antes da cura”. Portanto, os líderes da UE, incluindo o presidente do eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, têm de aceitar em como o investimento será sempre o vector por onde passará a solução para a crise. Imprimam mais dinheiro, senhores do BCE!
As publicações periódicas da UE anunciam apoios a fórmulas originais para os empreendedores tentarem a sua sorte, ao expandirem os seus próprios investimentos, e com esse tipo de acções levadas a cabo pelas instâncias comunitárias, o desemprego poder ser “atacado”, por ventura lentamente mas eficientemente, decerto; o problema é que essas publicações são a antítese daquilo que os líderes europeus executam, ou seja, muito pouco daquilo que aparece escrito.
Quanto custa um resgate a Chipre? Dez mil milhões de euros? A total exploração russa, ou alemã, das reservas de gás da ilha? O fim da soberania cipriota sobre a parte pró-helénica da ilha?
França: casos de polícia ou de política?
Jérôme Cahuzac, ministro do Orçamento francês, demitiu-se, por alegadamente ter cometido fraude fiscal com dinheiro colocado numa conta bancária, na Suíça.
Dois dias depois, Christine Lagarde, actual directora do FMI, foi alvo de buscas, na sua casa de Paris. Alegadamente, usou documentos falsos e foi cumplice em desvios de fundos, decorrentes do processo em que Bernard Tapie, milionário francês, recebeu mais de 400 milhões de euros de indemnização do Crédit Lyonnais.
O que se pode derpreender é que se Lagarde for implicada e culpada em Tribunal comum, findos que estão os tribunais especiais para ex-ministros, Cahuzac poderá ter sido “usado” como um elemento “a sacrificar” em prol de um bem maior. Será que é mesmo assim?
Entretanto, também Nicolas Sarkozy não escapou ao “olhos vendados” da justiça. Sarkozy foi acusado por um juíz da prática de “abuso de fragilidade” da “anciã” milionária Lilliane Bettencourt, numa situação relacionada com o financiamento ilegal da sua campanha eleitoral de 2007.
Será que muita coisa estará para mudar?
Curiosamente, também na semana que passou, Jean-Marc Ayrault, o primeiro-ministro francês, enfrentou uma moção de censura na Assembleia Nacional, apresentada pela UMP de Nicolas Sarkozy. A moção foi chumbada, pois toda a esquerda votou contra a mesma. Será que a moção da UMP, de Sarkozy, tentou “tapar o sol com a peneira”? Não resultou.
não consigo entender como ainda há gente a defender José Sócrates…
são opiniões…
Caro(a) Vasconcelos,
Também não consigo entender como ainda há gente a defender Pedro Passos Coelho…são opiniões…
Saudações cordiais,
Nuno Araújo
esse é o x da questão amigo Nuno, eu não sei como ainda há alguém a defender alguém no mundo da política, está visto que são todos iguais.
mais uma razão para todos eles, actuais ou que já tenham passado os beiços na gamela, meterem a cabeça num saco e terem vergonha
Em relação aos apoios deste e daquele quando é por demais evidente que são responsáveis por gestão danosa há sempre diversos motivos, normalmente não os melhores. Há sempre este e aquele apoio político, a bem ou a mal, e também, infelizmente, muita gente que tenta apoiar aqueles que apanham com a “flak” toda para se tentarem destacar, independentemente de os canhões estarem apontados ao diabo ou não. A mesquinhice faz parte do dia-a-dia acho eu…
E também há aqueles, evidentemente, que apontam a actual falta de opções e se limitam a colocar o pragmático “Engole e cresce porque não há mais”. Lido com tanta gente assim…
Infelizmente a situação que vivemos é crítica. Mesmo que uma pessoa esteja bem na vida, que não as há-de haver muitas, simplesmente assumir que os outros devam aceitar a miséria que lhes oferecem sem responder é de um egoísmo psicopático, na minha opinião.
Isto vem a propósito da questão da corrente ofensiva PS. mesmo que consigam empurrar o PSD do galho onde tem apodrecido nos ultimos meses, e as manifestações constantes hão-de ajudar, foram-se a questão do quão boa alternativa será o PS. Fico a pensar se não iremos simplesmente voltar ao mesmo. O nosso país caminha a passos largos para um bipartidarismo real, a derradeira sina para a maior parte dos sistemas democráticos. O que me deixa a pensar no que se poderá fazer a propósito.
Será que se poderia tentar favorecer o voto em branco e assim tentar fazer com que os partidos mudem as lideranças?
Tentar fazer as pessoas votarem num dos partidos menores, que, no entanto, parecem incapazes de qualquer liderança real?
Tentar levar à criação de um novo partido centro-esquerda que nos ajude?
Engolir e aceitar? NUNCA!
Eu sei que este meu comentário parece mais uma divagação que outra coisa, mas a infelicidade do nosso país, a juntar à miséria, é a falta declarada de alternativas neste momento. Não sei se isso não será ainda pior do que a gerência danosa de coelhos e amigos.
Boa noite caro Francisco,
Antes de mais obrigado pelo seu comentário.
O seu comentário não é uma divagação, é claramente um discurso que profere ruptura com o sistema e actores políticos vigentes. “O povo sabe bem o que quer”, era um artigo muito bom de Edmundo Balsemão Pires, na Revista Filosófica da Universidade de Coimbra, de 1999 ou 2000, e que analisava a questão da alternativa ou alternância em democracia.
A verdade é que em Portugal existe alternativa, e não alternância, pois o facto de existirem mais do que dois partidos no parlamento faz com que o PS e o PSD sejam sempre diferentes, senão veja-se: Sócrates conseguiu maioria absoluta em 2005, graças à desgraça de Santana Lopes e PSD, e assim teve de governar ao centro e descair até para a direita, nalguns casos (por ventura, dir-se-à mais do que somente alguns…). A verdade é que a governança é sempre um exercício de poder, esse que é transferido do povo para os actores e partidos políticos, mas que exige sempre governar para todos, mesmo para aqueles que não votaram nos partidos que ganharam as eleições…e com isso, as minorias são sempre sujeitas à vontade da maioria, coisa que até com Sócrates mudou um pouco, pois o referendo da IVG deu vitória ao sim devido ao empenho pessoal de Sócrates, assim como o casamento entre pessoas do mesmo sexo passou no parlamento devido ao compromisso assumido por Sócrates e PS, com restante esquerda, de validar esse passo essencial numa sociedade justa e equalitária em direitos.
Pensar que virá mais do mesmo e aceitar esse cenário está errado, quanto a mim. Também não aceito, como o Francisco, governos e políticas medíocres só por que pode não haver melhor, em determinado momento. Os cidadãos devem lutar com as suas ferramentas, em democracia, pela justiça, pelos seus mais elementares direitos, fazendo jus à sociedade democrática em que vivemos, e que tão posta em causa tem sido por este governo neoliberal do PSD-CDS.
A criação de novos partidos à esquerda não me parece bem…pensemos: qual seria a melhor forma de dividir (ainda) mais a esquerda? Talvez…criar novos partidos, certo? Na Alemanha, como é que se vai dividir a CDU neoliberal (ex-democrata-cristã) de Merkel? Criando um novo partido, de índole nacionalista, que albergue o grupo mais eurocéptico da direita moderada.
Noto no seu comentário, e nas palavras de muita gente, na rua, por aí, que “a coisa só vai piorar”. Pois bem, estamos em 2013, e Merkel vai perder as eleições deste ano. Depois, Peer Steinbrück vai liderar com os verdes a Alemanha, Hollande junta-se-lhe para elaborar um plano algo falado nos bastidores da política europeia, uma espécie de adenda ao Orçamento comunitário 2014-2020, na senda do Projecto Europe 2020, que prevê crescimento ímpar e emprego (quase) pleno para a UE. O Euro poderá, nesse plano, sofrer alguma desvalorização, não sei ainda bem em que percentagem, mas a par disso, as eurobonds também vão avançar, ainda que a par talvez do início da crise chinesa (que lá para 2015, terá o seu início), criando assim projectos estruturantes para a UE, e assim Portugal e outros países com ajuda financeira internacional terão perdão da dívida, em percentagens consideráveis, mas em consonância com crescimento sustentável.
Todos estes são objectivos que a UE poderá vir a alcançar, se da direita os cidadãos da UE quiserem virar “à esquerda”. Os tempos são de juntar forças, Francisco, não de dissipá-las. Esse é o objectivo do “eterno regresso do fascismo”, como já explicava Rob Riemen.
Peço desculpa pela extensão do meu comentário, desejando-lhe votos de boas crónicas no Canal PT crónicas.
Saudações cordiais,
Nuno Araújo
Ora, não há nenhum problema com a extensão do comentário. Aliás ajudou-me a perceber melhor algumas coisas que, se calhar, estavam meio confusas na minha mente. Por isso mesmo é que gosto de seguir as suas crónicas. Explicam muito de um modo fácil de entender.
Atento que não é que eu defendesse algumas das opções que coloquei, mas o que é certo é na mente de muitos portugueses elas estão na mesa. No entanto a desconfiança para com o sistema actual e o discurso e medidas, a meu ver despropositados, tanto de Coelho como Merkel e seus “amigos”, diga-se, não ajudam nada.
No entanto tem, evidentemente, toda a razão quando refere a inevitável crise chinesa (que as recentes medidas no campo imobiliário do novo executivo só servem para adiar)e as futuras iniciativas de Hollande e respectivos aliados.
Acho no entanto interessante a sua opinião de perdoo de partes da dívida. Apesar de ser algo que vai deixar muita gente chateada, sobretudo no sector bancário, o facto é que parece a melhor maneira de permitir um crescimento económico mais pleno da Eurozona. A desvalorização do Euro em si é algo que creio que não deve ser tão temido como certos grupos querem dar a entender, uma vez que a valorização excessiva já atrapalhava em certa medida as exportações europeias e pode ser que assim essas possam ser beneficiadas.
E, acima de tudo, concordo com a sua opinião de uma maior união da Esquerda (apesar de poder não ter dado a entender isso). Fica a questão da liderança, mas isso é algo que os actores actuais e o tempo tratarão de resolver, parece-me.
E agora fui eu que dei uma resposta demasiado longa. Mas este é um assunto que merece sempre debate, acho eu. Acima de tudo espero ter feito algum sentido.
E muito obrigado pelas palavras de apoio, também. Espero fazer justiça ao PT Jornal.
Saudações cordiais,
Francisco Duarte