Sou Racista – Amílcar Monteiro

Não, isto não é uma brincadeira. Eu sou mesmo racista e não tenho problema nenhum em dizê-lo. Calma, leitor, antes de começar já a disparatar e a insultar-me, deixe-me primeiro explanar o meu ponto de vista. Com base na minha experiência de vida, na análise das observações quotidianas que realizo e na informação diária fornecida pela comunicação social, eu conclui que existe uma raça responsável por todos os problemas do mundo: a raça humana.

Guerras, homicídios, roubos e violações: os humanos são sempre os responsáveis. Corrupção, tráfico de droga, escravatura e prostituição: todas actividades perpetradas por humanos. Crise econónimca, propagação de doenças, extinção de outras espécies  e  poluição do ambiente: os humanos são a causa. Sismos, cheias e tornados: apesar de serem mais da responsabilidade da natureza, a verdade é que há sempre humanos no meio das catástrofres naturais, pelo que ninguém me tira da cabeça que também devem ter alguma coisa a ver com isso.

Para o leitor que pensa que eu estou a generalizar, pois nem todos os humanos são responsáveis pelos problemas do mundo, deixe-me apenas dizer-lhe que não está a prestar a devida atenção ao texto. É que esse argumento é lógico e racional, pelo que a partir do momento que eu disse que era racista, a lógica e a racionalidade deixaram de fazer sentido nesta discussão. Agora que esclarecemos isto, vamos prosseguir, fingindo que os argumentos que aqui apresento são válidos.

Todas as vezes que fui roubado, que me mentiram ou desiludiram, que me magoaram ou enganaram, foram sempre humanos. Por isso, quando vou na rua e detecto um, atravesso sempre para o outro lado, pois já sei que dali só virão problemas. Embora, confesso, a minha vontade seja espancar qualquer humano que se cruze no meu caminho. Só não o faço porque, no sítio onde vivo, existem muitos e eles conhecem-se todos uns aos outros. Mas uma coisa é certa: em minha casa não deixo entrar nenhum. Para mim, era metê-los a todos num desintegrador de matéria e mandá-los de volta para o estado unicelular de onde evoluíram.

E o pior de tudo é que eles tentam regularmente interagir comigo, como se eu pertencesse à sua raça, pois fisicamente sou muito parecido com eles. Isto prende-se com o facto de – e custa-me dizer isto – ambos os meus pais serem humanos. No entanto, apesar de ter ascendência humana, eu não me identifico em nada com a cultura de destruição que parece estar geneticamente inscrita nesta raça. Como tal, decidi fazer uma cirurgia plástica que altere a minha aparência para a de uma raça com a qual me identifico mais: o rato marsupial australiano macho.

“Desde que nasce até completar onze meses, a vida do rato marsupial australiano macho tem um único objectivo: acumular o máximo possível de esperma para a primeira e última época de acasalamento da sua vida. Quando os quinze dias decisivos chegam, o Antechinus pode passar entre cinco e catorze horas em relações consecutivas com fêmeas diferentes para ter a certeza de que fertiliza o maior número possível de parceiras, garantindo a continuação da linhagem. (…) Ao fim de duas semanas a exaustão provoca o colapso do sistema imunológico do Antechinus. Então, o rato marsupial sofre várias infecções e hemorragias internas que conduzem, invariavelmente, à morte. As fêmeas ficam então com a total responsabilidade de alimentar e cuidar das ninhadas para assegurar a continuidade da espécie”.

Isto sim, é uma raça com a qual empatizo: não só não provoca a destruição de tudo por onde passa – mesmo que quisesse, não teria tempo para o fazer – como também não sofre angústias existenciais, uma vez que tem bem definido o propósito da sua existência.

Crónica de Amílcar Monteiro
O Idiota da Aldeia
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