**Estreia**T2 para 4 – o início – Mara Tomé

Uma família de dois elementos passa, num instante e de uma só vez, a quatro.

E, à medida que as crias vão crescendo, de uma assentada só – como em tudo na nossa vida -, o séquito que rodeia as pequenas princesas gémeas do T2 passa a ser bem mais numeroso do que tia, avós e pais; passa a incluir uma autêntica equipa de técnicos e profissionais que acompanham o seu desenvolvendo, a par e passo com a família. De um dia para outro (bem, é mais de um mês para outros porque estas coisas demoram tempo), vemos incluídos nos nossos contactos habituais pediatras especialistas em autismo, terapeutas da fala e terapeutas ocupacionais, educadora e psicóloga da intervenção precoce e tarefeira.

Naquele gabinete de cores indefinidas e com cantos a denunciar alguma humidade, naqueles corredores cheios de brinquedos e naquela sala de espera com mesas, lápis e folhas (um oásis de cores num edifício cinzento e velho), uma senhora muito simpática e de olhos ternos que vestia bata branca acompanhada por outra senhora igualmente simpática, que me afastara das piolhas que ficaram com a avó, a fazer-lhe a pobre cabeça em água, conversa comigo. Após horas de observação, a possibilidade de um diagnóstico, soa a algo dito numa língua estrangeira: “desvio çljdlkhf fjhwefghbvcmks autista”. Ouvi autista e não ouvi mais nada, fiquei com o cérebro a mil e a projetar desgraças, sentia-me presa num diálogo de surdos sem assimilar ou sequer destrinçar o que me estavam a dizer – eu só tinha ido a uma mera consulta de desenvolvimento para saber o que se estava a passar com as minhas filhas, esperava algo rotineira do género medir/pesar, nem sequer estava ali o pai para me ajudar a lidar com aquilo tudo, não estava preparada para a dimensão de algo assim, o quê? uma deficiência?, oh meu deus, o que vou fazer? porquê as minhas meninas, que mal fizeram elas?, a médica enganou-se e eu vou provar, está tudo doido e eu a ver, espectro? mas um espectro não é um fantasma do Harry Potter? – O meu chão fugiu quando se falou em NEE (Necessidades Educativas Especiais) porque conheço todos os (d)efeitos que isso traz e as conotações associadas.

Depois desta notícia, que recebi sozinha, eu e o marido voltámos a estar com esta pediatra, sem as piolhas e com mais calma. Desde esse dia, em agosto de 2010, a nossa vida mudou e encarámos como desafio desmistificar as palavras “autismo” e “deficiência” (porque, severo, profundo ou ligeiro – como, felizmente, é o caso – é uma deficiência) e fizemos a promessa de manter o que temos vindo a fazer, amando-as e educando-as exatamente da mesma maneira, porque não deixam de ser as nossas filhas.

Bem-vindos ao mundo do Autismo. Bem-vindos ao mundo ao nosso T2.

Crónica de Mara Tomé
T2 para 4